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Monday, December 23, 2019

Wednesday, November 27, 2019

[ Um exercício para captura da fera na selva #5 ]


É algo bastante evidente em alguns bonecos que já fiz, mas aqui fica assumido por escrito…
Gosto muito de desenhar cabelos longos e luminosos, com curvas e contracurvas, reflexos e sombras, voltas e apertos de linhas fluidas… de confluência orgânica.
Diz-se que quando se faz algo que nos envolve em semelhante grau de satisfação… que isso é já meio caminho para que o resultado saia bem feito… Espero que assim seja.

Sunday, November 10, 2019

Saturday, October 26, 2019

[ barbear tradicional )


O ilustrador responsável por este blog integra a partir de hoje o grupo de utilizadores de engenhocas de barbear tradicional, com recurso a perigosas e ameaçadoras lâminas autónomas e descartáveis.
Questionar-se-á eventualmente quem lê, sobre o porquê desta revelação pública (ou com aspirações a tal), relativa a tópicos comummente relegados para aquilo que deve permanecer trancado nas catacumbas sombrias da reduzida esfera de intimidade do comum ser humano…
Ficará esta questão no ar, enquanto explano primeiramente o móbil desta mudança radical em tão relevante hábito da minha rotina diária.
Eis pois que me trazia assaz melindrado, há já bastante tempo, o resultado da consideração racional sobre a enorme quantidade de dispositivos de barbear, materializados no tão famigerado plástico, por cuja introdução nas cadeias de reciclagem e desperdício eu era o mais directo responsável.
Não sendo adepto da moda das barbas de inspiração bíblico-proféticas (em ar de tecitura de nidificação para acolhimento de seres vivos), tão em voga na actualidade, optei então por esta mudança operativa indutora de um claro alívio da minha pegada ecológica.
Pode muito bem ser que, a exposição do motivo por detrás desta iniciativa, tenha começado a desenhar na mente de quem se mantém ainda activo na leitura deste breve texto, um esboço sumido, daquela que terá sido a minha motivação para a partilha desta informação… Na verdade, aspiro assim, com este post, a semear na mente de outros eventuais utilizadores de dispositivos de barbear materializados em plástico, a dúvida sobre a sustentabilidade da técnica adoptada em função das ferramentas escolhidas.
Mas sinto ainda que a pertinência desta entrada no meu blog não se encontra totalmente justificada. Afinal, este é um blog subordinado à temática da ilustração e actividades a si conexas.
Vou então, a título de ponte temática, mencionar algo de que me apercebi ao executar o desenho acima publicado, tendo porém, clara noção de que tal associação conceptual apenas me ocorreu pelo facto de, ao começar a desenhar, não ter ainda decorrido uma modesta hora, desde a compra do meus novos brinquedos de barbear. 
Então aqui vai… 
… sobre as semelhanças e afinidades encontradas entre, no acto de desenhar, o manuseamento da caneta, e no acto de barbear (segundo as preciosas e detalhadas indicações do estimado comerciante, e também na minha modesta experiência), o manuseamento do dispositivo de corte. 
Como assim? 
… ocorreu-me então, ao aplicar a subtil sombra riscada que se encontra por baixo da máquina de barbear presente neste desenho, a existência de um paralelismo convicto entre ambas as experiências e seus resultados. Na verdade, em ambas, inclinação a menos na ferramenta, bem como inclinação excessiva da mesma, poderão em seu tempo produzir resultados de inferior qualidade ou eventualmente desastrosos na obra. Da mesma forma, em ambos os processos, o controlo da pressão aplicada manualmente ao instrumento operativo é de vital importância na produção de efeitos na zona de contacto entre superfícies… respectivamente do bico da caneta no papel, e, da lâmina afiada na superfície (ou algo mais profundamente) da pele.

Resta saber se dos inúmeros cortes que irão certamente aparecer no rosto deste ilustrador, jorrará sangue vermelho, ou… tinta preta.

Wednesday, September 18, 2019

[ Egoísta Democracia ]




A mais recente edição da Egoísta é dedicada ao tema "Democracia".
Este esboço ilustra a procura da solução formal/funcional para a capa.
A ideia por detrás deste layout é a de que a capa funciona como uma urna de voto na qual está previamente semi-inserido um boletim dobrado em 4.
No rodapé da capa encontra-se um excerto de um poema de Sophia de Mello Breyner: "vemos , ouvimos e lemos... não podemos ficar indiferentes".
A relação do conceito de "Democracia" com o boletim dobrado em 4 e articulado com a ranhura da capa, é, acredito, evidente e decifrável para a esmagadora maioria de potenciais leitores existentes no mundo actual.
Ao retirar e desdobrar o boletim da capa, o leitor apercebe-se de que este é diferente do esperado boletim de voto convencional... No interior, ao invés de se encontrar um alinhamento de opções elegíveis, o leitor depara-se com uma mensagem de conteúdo iconográfico dividida em 3 tempos de leitura. Cada um desses tempos de leitura, faz alusão a uma fase diferente do processo de produção de um voto. Na primeira página do interior da edição (folha de rosto), esse conjunto de icons é relacionado, de forma desenvolvida com o excerto do poema de Sophia, presente na capa.

Se a relação existente entre o jogo formal proposto pelo design da capa e o conceito de "Democracia" é por demais evidente, já a evidência da relação entre o conteúdo simbólico e textual presente no interior do boletim e na folha de rosto, e o conceito de democracia, parece repetidamente negada e refutada pela realidade eleitoral do mundo democrático dos dias de hoje.

Dos sistemas sócio-políticos que a humanidade desenvolveu até hoje, e ainda hoje conhece, a democracia é sem dúvida o que melhor reflecte o ideal da importância da individualidade na constituição do todo.
Há algo de profundamente espiritual nesta ideia.
Se conceitos como, por exemplo, o sistema monárquico, que se afigura como uma modalidade governativa nascida dos tempos de barbárie e de violência física desmesurada, estão vigorosamente implantados no passado, e são gradualmente diluídos no avanço da história, já a inspiração democrática sopra às sociedades humanas como um conceito do futuro, totalmente idealista, e sem âncora firmada na dura vivência do quotidiano das nações que a foram abraçando.
Em breve, na nossa história, se provará se os homens estavam à altura de tão iluminada evolução civilizacional.
Vivemos uma época decisiva para a humanidade, e a Democracia enquanto sistema gerador de decisões com potencial para condicionar o destino de uma fatia considerável, e indirectamente, da totalidade da humanidade, bem como do próprio planeta, será posta à prova com enorme rigor e intransigência.
Neste teste não haverá margem para erro.

O efectivo"funcionamento" das democracias é indissociável de algumas premissas, cuja realidade do dia-a-dia da actualidade, prova reiteradamente não estarem a ser cumpridas. A mais grave ruptura observável nesse pequeno conjunto de pré-requisitos dá-se ao nível do desligamento entre o cidadão votante e a absorção e consequente digestão da matéria prima para produção de um voto de qualidade (sustentado por um discurso racional elaborado e coerente) – a informação.
Uma democracia composta por votos sem qualidade, será ainda formalmente uma democracia, mas, permeável a influências e manipulações que condicionam o rumo resultante das suas decisões.
Essa ruptura é facilmente constatável no decréscimo assustador das vendas de jornais e revistas de informação generalista e independente. Na avaliação dos cidadãos votantes, o acesso a informação de fontes credíveis, bem como a manutenção da independência das mesmas (através da sua sustentação por vendas e publicidade), não justifica, na sua perspectiva (a dos cidadãos votantes), o dispêndio de uma pequena quantia do seu orçamento mensal (equivalente ao valor de uma refeição de fast-food por mês), aplicado na assinatura digital de um jornal generalista com edição diária.
O acesso a "verdadeira informação", pela via do contacto com notícias desenvolvidas e detalhadas, com fontes devidamente identificadas, está a ser voluntariamente substituído por, "ilusão de informação", através da leitura de feeds sucintos (por vezes apenas leitura de títulos) nas redes sociais, muito frequentemente sem acesso às fontes que produziram esses conteúdos.
Esta tendência, a manter-se, acabará por conduzir ao declínio acelerado do nível e qualidade de informação detida pelos cidadãos e também à dificuldade de sobrevivência, e mesmo à eventual extinção dos meios de informação independentes e credíveis, base das democracias saudáveis e funcionais.
Está criado o terreno para a manipulação desinformativa, para as fake-news e para o colapso informativo.
Há uma profunda ironia no facto de este panorama se configurar na fase da história da humanidade, em que se encontra disponível para as sociedades, a maior quantidade de informação de sempre, e de o acesso à informação poder ser feito mais rápida e facilmente do que nunca.

Estarão as democracias actuais à altura do seu melhor desempenho no patamar de desafios que a humanidade tem pela frente?
Estará a humanidade à altura da dádiva espiritual do ideal democrático, que reconhece o valor inalienável de cada um, depositando na unidade a responsabilidade de, colectivamente decidir o destino do todo… do tudo?
O rumo dado por sucessivos actos eleitorais a alguns países do mundo democrático parece conduzir alguns desses estados no sentido do isolamento, da exaltação dos nacionalismos, da afirmação dos interesses exclusivamente nacionais.
Num tempo em que os desafios que se colocam à humanidade e ao planeta, exigem de forma cada vez mais evidente e urgente, acções concertadas a nível internacional, esse rumo focado nos interesses exclusivamente nacionais poderá claramente induzir nestes processos de desafio global, atrasos tragicamente grandes, tendo em conta a diminuta janela temporal disponível para as acções que se impõe desenvolver.
A complexidade e abrangência das temáticas em causa, e sobre as quais os cidadãos votantes são e serão chamados a decidir, é enorme, e exige de cada um, o esforço de encaixar nas rotinas do dia-a-dia momentos dedicados à absorção de informação e sua posterior digestão.

1
vemos, ouvimos e lemos

–  não…  apenas ler os feeds nas redes sociais não é suficiente
– quando um candidato a ditador pretende acabar com uma democracia, a primeira coisa que faz é condicionar os meios de informação. Suportar e fortalecer os meios de informação independente é assim fundamental para a preservação das democracias
– nesse sentido, assinar um jornal generalista independente é uma boa ideia. É possível  fazê-lo mensalmente pelo valor de uma simples refeição de fast-food.
– a troca de ideias permite considerar outras perspectivas sobre a mesma temática, constituindo assim um bom método de definição de posições pessoais.

2
…não podemos ficar indiferentes

– a qualidade global de uma democracia depende da digestão individual que os cidadãos votantes fazem da informação disponível, bem como da forma como reflectem as ideias debatidas nas suas intenções de voto.

3
– votar
– votar mesmo
– para um observador externo à realidade humana, a constatação da existência de elevadas taxas de abstenção, transmitiria, certamente, a ideia de que os potenciais votantes, não valorizam, e, desejam mesmo abdicar do sistema democrático…
a ideia de que desejam…
o fim da democracia

Saturday, August 10, 2019

[ Manifesto ilustrado de coerência ideológica ]


Coisas nossas que só as mães guardam…
A Senhora minha mãe, além de me enformar numa educação excepcional da qual eu, embora tente, não consigo estar à altura, e de me presentear com o património genético dos ilustradores (embora neste desenho ainda não se note), que flui abundantemente no sangue do seu forte ramo familiar, faz ainda o enorme favor de, de tempos a tempos, me pôr em contacto com o meu "eu" do passado, proporcionando eventualmente ao meu "eu" do presente, alegrias artisticas, ou, mais raramente, ideológicas e/ou morais como a de hoje.
Consistiu então esta prenda inesperada na apresentação de um exercício escolar que executei aos 9 anos. A rubrica chamar-se-ia "Novidade de fim de semana", e, aparentemente, consistiria na narração ilustrada de uma actividade marcante do fim de semana anterior.
Aqui vai então a transcrição do meu texto para este exercício:
"A minha novidade de fim de semana foi o filme às 2h20m O Resgate em O Mundo Maravilhoso de Walt Disney. Foi um filme que me pôs ainda mais contra a escravatura."
Ignorando os aspectos a melhorar ao nível da construção de texto, ou o engraçado preciosismo da anotação da hora, o que não me deixou de todo indiferente foi a coerência ideológica desta tenra criatura de 9 anos (o meu "eu" do passado), com o pensamento do meu "eu" do presente, em relação àquilo que é esse prego enferrujado cravado no pé da humanidade, chamado "escravatura".
Fiquei especialmente agradado com o pormenor textual de "… ainda mais contra… ", denotando claramente o aprofundamento de um sentimento já pré-existente, em função da experiência vivida nesse fim de semana.
Aqui fica então uma carinhosa saudação e um agradecido abraço ao meu "eu" ilustrador do passado (algo que, se bem me lembro, "o", ou, "me", teria deixado meio desconfortável).
É claro e evidente que o mérito de tão esclarecidas ideias em tão desmiolada cabeça, só pode cair (para minha grande sorte), sobre o denso manto protector constituído pelo ambiente familiar.
Obrigado e parabéns às raízes, tronco, ramos e folhas da minha árvore genealógica.

Saturday, July 20, 2019

[ O complexo de Cinderela ]


Ilustração para um belo texto de Tânia Ganho, publicado na EGOÍSTA "Era uma vez", com o título O Complexo de Cinderela.
O texto é sobre uma viúva com 65 anos, que, após uma vida de abnegação sentimental, decide recorrer ao sexo pago com um acompanhante masculino, opção essa que a conduz à amplificadora descoberta de uma paisagem física e emocional com contornos por si desconhecidos até então.

Thursday, June 27, 2019

[ Wallpainting ]



Mais uma incursão à "ilustração" de paredes…
Desta vez o suporte é a parede posterior da sala de produção da DigitalMix Música e Imagem.
A cena que representei tem por base um instantâneo imaginário decorrente numa cidade cosmopolita ocidental contemporânea.
Na rua está frio. Há uma névoa que torna o ar denso e reduz a nitidez das zonas distantes da perspectiva abrangente.
Numa esquina movimentada, uma street band faz mais uma das suas actuações… Há quem pare para ver o espectáculo.
Esta zona do quarteirão é preenchida por um grande cineteatro, possuidor de uma daquelas palas que, em toda a altura do seu perfil exibe, em grandes letras vermelhas, os nomes dos espectáculos/filmes que apresenta na altura.
Neste dia é a vez de "24 Hour Party People" – filme que relata a história da fase mais conhecida da vida do produtor Tony Wilson, com ênfase na criação do mítico clube musical de Manchester "Hacienda", e na sua editora "Factory Records", e que tão relevante papel teve nas carreiras de bandas como "Joy Division", "New Order", "Sex Pistols", "Durutti Column"…
Em primeiro plano é visível, quase a desaparecer pelo lado direito da imagem, um carro amarelo… talvez um taxi.
Mas a parte principal do boneco consiste na interacção entre o vocalista da banda e uma moça que percorre, decidida, o limite do passeio. Ele tirou respeitosamente o seu chapéu de abas da cabeça, e dirige à bonita transeunte ruiva de cabelos ao vento, uma vénia dedicada, enquanto continua a entoar para a assistência a letra da canção… Aparentemente indiferente a esta abordagem, ela segue o seu caminho, transportando à cintura, em jeito de homenagem/manifesto revivalista, o icónico walkman amarelo e azul repescado directamente dos anos 90 do século passado.
O cabo amarelo de áudio transmite aos seus delicados ouvidos a OST de "FlashDance"… é esse ritmo que lhe marca a passada e define o sorriso… a sua t-shirt ostenta, cravadas em lantejoulas, duas palavras que a definem, a ela, e em particular ao seu estado de alma neste dia – MISS MUSIC…

A impressão e aplicação estiveram a cargo da fantástica OCYAN.

Friday, June 21, 2019

[ Bela, a rainha má # 9 ]


"Mas um facho do sol de Maio, esgueirando-se pelas
nuvens cinzentas, veio fender o cristal do caixão onde eu
jazia. Saído da bruma, avançou ao meu encontro o príncipe
de sempre, guiando pela arreata uma égua branca, de crinas
que varriam as violetas do chão. Beijou-me os lábios,
correu-me o sangue nas veias, e respirei na vida que ao
meu corpo voltava."

Thursday, June 13, 2019

[ Bela, a rainha má # 8 ]



"E ali fiquei, sujeita às neves eternas que me secavam
as entranhas. Em meus sonhos perpassavam punhais, e uma
maçã num espelho. Sete anões avançavam do fundo da treva,
bufando de cólera, rebolando-se de riso, e a esguichar
imundícies pelo buraco de trás. Não cessavam as gralhas de
voejar, ensombrando-me o rosto quieto, e mais rosadinho do
que nunca, debaixo da tampa que me cobria.
"

Saturday, June 8, 2019

[ Bela, a rainha má # 7 ]



"E deitei-a numa tina de mármore, rasgando-lhe pulsos e
tornozelos com um estilete de oiro de lei. À medida que
a menina se esvaía em sangue, iluminada pelas tochas que
eu acendera, dissolvia-se-lhe o corpinho até por completo
se sumir. Meti-me naquele líquido, e deixei-me adormecer dentro dele."

Tuesday, June 4, 2019

[ Bela, a rainha má # 6 ]



"Pus-me a caminho, atravessei matagais, descortinei o
casebre, bati à porta, e entrei. A rapariga cozinhava
as papas que os anões apreciam, dessas que se comem com
colher de pau, e que neles provocam os puns com que tanto
se divertem. Estendi-lhe a maçã, e logo o gelo reocupou olugar do meu coração.

Mal a trincou, caiu Cinda morta, e as gralhas não
paravam de gritar por cima de nós."

Thursday, May 30, 2019

[ Bela, a rainha má # 5 ]



"À frente do espelho, e numa noite de Verão, botei-me a
saborear aquele fruto de maravilha. Uma chama crepitava
no meu ventre, e um rubor coloria-me as faces. A rainha
que eu olhava ia-se despojando do seu manto de damasco,
dos seus colares de brilhantes, e da própria coroa que lhe
cingia a fronte. E a que eu fora reaparecia, semelhante aCinda, a sorrir nos verdores da juventude."

Tuesday, May 28, 2019

[ Bela, a rainha má # 4 ]



"Partiu outra vez para a guerra o rei, meu marido,
e fiquei por meses e meses abraçada a mim mesma. No
anoitecer em que trouxeram a notícia da sua morte, varado
pela lança de um plebeu, houve chuvas abundantes que
vergastaram as macieiras. Rolaram por terra os frutos,
mas na árvore mais franzina manteve-se uma maçã, uma só.
Metade vermelha, e metade amarela, nunca eu vira tão
bonita. E colhi-a, acheguei-a à língua da víbora para quea picasse, e à cauda do lacrau para que a mordesse."

Monday, May 27, 2019

[ Bela, a rainha má # 3 ]


"Numa ocasião, quando a ventania agitava a rama das
macieiras do pomar do palácio, estava eu diante do
espelho, um desastre aconteceu. Igual à marca da unha de
uma bruxa, uma ruga pequenina desenhava-se ao canto daminha boca real. Mas não se quedaria por aí o sobressalto."

Saturday, May 25, 2019

[ Bela, a rainha má # 2 ]



"Logo que me levantei, incapaz de conter a curiosidade,
coloquei-me diante daquela imagem, vestida com a camisa de
seda do Japão. E não demorou a que me reconhecesse, muito
menina, correndo numa floresta de heras e silvas. Fugia ao
verdugo que minha madrasta encarregara de me matar, mas que, apiedado de mim, me pouparia a vida."

Wednesday, May 22, 2019

[ Bela, a rainha má # 1 ]




"O meu príncipe beijou-me os lábios, e a luz de Maio
percorreu-me o corpo. Eram lírios e açucenas, espumas
do mar longínquo. Quebrou-se em estilhaços de cristal o
esquife onde eu dormira, mas uma estrela de gelo morava
dentro de mim. O que me despertara tomou-me pela mão, e
fomos andando em direcção ao palácio."


"Bela, A Rainha Má" é o titulo de um belíssimo texto de Mário Cláudio, publicado na Egoísta nr 66, com o tema "Era uma vez".
O texto é construído num registo fragmentado em pequenos excertos, através dos quais se desenvolve a sequência narrativa.
São breves ilhas de palavras, carregadas de uma certa aura poética, muito indutora de ambientes diversos ao longo da pequena estória.
A ideia que tive para ilustrar este texto foi a de construir um paralelismo formal com a estrutura do texto, através da criação de pequenos fragmentos de registo linear preto, jogando com a densidade da mancha para obter a caracteriação das formas.

Thursday, April 25, 2019

… a propósito do dia 25 de Abril [ Repost ]

REPOST de uma publicação anterior, no âmbito do 25 de Abril


A relação é simples e óbvia…
Mas, 
…frequentemente passamos ao lado desta evidência.
A imagem que aqui reproduzo ilustra uma ideia que, creio, importa absorver e digerir com URGÊNCIA. Essa digestão deve levar-nos imediatamente a agir no sentido de sustentarmos a base da democracia – o acesso por parte dos eleitores a informação séria, rigorosa e independente.
Existe numa faixa alargada de eleitores a ilusão de que o acompanhamento dos títulos e pequenas "notícias" que chegam até nós, por via do contacto diário e frequente com as diversas plataformas constituintes das redes sociais, e sites de informação sumária/destaques, constitui fonte suficiente de "informação" para construir e fundamentar as nossas opiniões. 
É também frequente a simples dedução de conteúdos de notícias a partir da mera leitura de um título com o qual se toma contacto através de um qualquer veículo comunicativo… Nada mais enganador.
É sabido que as vendas de jornais e revistas enfrentam uma realidade de declínio. 
Por outro lado, é fácil de deduzir que os mecanismos de visualização em diferido dos conteúdos audiovisuais informativos, permitindo ao espectador evitar os pesados blocos de publicidade que lhes estão anexados, não tardarão a alterar os padrões de aposta das marcas naquilo que é a compra de tempo de antena nos canais televisivos – dependendo das novas modalidades que vierem a ser encontradas, essa alteração poderá, a médio prazo, constituir um pesado golpe desferido contra a sustentabilidade das redacções informativas existentes nos canais de televisão.
Vivemos actualmente um período desafiante… a vários níveis. Todos sabemos.
Defendo que é fundamental racionalizar individualmente este tipo de considerações, e, como em outras áreas em que nesta fase peculiar da história da humanidade o cidadão anónimo é chamado a agir, de si dependendo o rumo dos acontecimentos a nível global, optar então conscientemente por iniciar, JÁ, as acções que mais directamente gerarão mudança.
Nesta matéria, se nada fizermos, assistiremos ao fim do jornalismo fiável, e da investigação informativa séria e independente. As nossas opiniões serão débeis… frágeis, e totalmente vulneráveis à manipulação.
Assistimos já, na actualidade, às consequências destes mecanismos, através das polémicas acções de condicionamento de resultados de processos democráticos, através da introdução de ruído informativo nas redes sociais. Estes exemplos expõem, mais do que os processos de interferência, uma assustadora permeabilidade dos eleitores a este tipo de interferência.
Contudo, se sustentarmos um sistema informativo heterogéneo e independente, manteremos o acesso a informação credível… seremos impermeáveis às "verdadeiras" "fake news".
Esta salvaguarda está ao nosso alcance, e tem um preço reduzido. É possível assinar mensalmente a versão digital de um jornal diário generalista credível por aproximadamente 6 euros. O preço médio de um menú de fast food… por mês… 
pela Democracia.

Friday, April 19, 2019

Vieira de Castro _ 75 anos _ A História do Nosso Sabor


"Desculpa-me avô…
Ainda hoje não consigo enunciar os nomes de todas as ruas, perpendiculares e paralelas, sem hesitações, e na ordem correcta… do percurso de casa até à Versailles. Isto apesar do teu gigantesco esforço…
… mas MUITO obrigado."

Os momentos em que crianças acompanham adultos em romarias para aquisição de guloseimas em quadras festivas, é positivamente marcante para as referidas crianças, e eventualmente para os referidos adultos.
Esses contextos são já por si festivos, o que ajuda à existência de um ambiente favorável ao armazenamento e preservação de memórias positivas.
Para tal, também contribui o facto de as ditas romarias terem como objectivo, trazer para casa nutrientes, regra geral, altamente calóricos, e, carregadinhos de SABORES intensos : b
Em nossa casa essa tarefa cabia maioritariamente ao meu avô.
As motivações eram várias, e transbordavam abundantemente para fora das quadras festivas, embora estas estivessem de facto associadas a picos de intensidade desta práctica.
Nesse capítulo, o Natal reunia forçosamente o maior número de iguarias, e consequentemente, de respectivas romarias gulosas. O maravilhoso bacalhau da av. da igreja, cortado em deliciosas postas altas, que eram depois cozidas no ponto, e saboreadas com grão e cove… ou o delicioso bolo-rei da Versailles, preferencialmente para o mal cozido… Uau.
Estas iguarias, adicionadas a outras, também maravilhosas mas de fabrico caseiro, geralmente confeccionadas em animados serões, encontravam-se à mesa da consoada, cercadas pela família em intensa comunhão… Que sonho.
Agora é Páscoa. Por esta altura a romaria era às diferentes variedades de amêndoas, com que se enchiam pequenas taças, que viviam a quadra em cima da mesa, sendo debicadas a cada passagem pela casa-de-jantar.
Muitas vezes estas deslocações tinham como objectivo original o mero acto de passear, e a aquisição de guloseimas surgia como um delicioso acidente de percurso. Disso eram exemplo os maravilhosos almendrados do "2000", ou, dessa mesma pastelaria do campo-pequeno, os fantásticos petit-fours.
Tantas vezes que os nossos passeios a pé se fizeram por aí.
Esses passeios diários do meu avô, a pé por Lisboa, constituíam um ritual que na família lhe está indelevelmente associado.
Fruto dos meus horários na escola, essencialmente matinais, eu tinha a sorte de ser repescado para essa actividade com grande regularidade, e, nesses dias, esses passeios assumiam para si uma dupla função. Além do exercício físico que possibilitavam, o meu avô via nesses momentos a oportunidade de me instruir no conhecimento profundo do desenho e articulação das ruas da cidade, bem como nos seus respectivos nomes. Assim, cada cruzamento era acompanhado pela pergunta:
"… e esta, como se chama?…"

Saturday, March 30, 2019

[ Chegou livro ; ) ]

Recebemos recentemente na 004 mais uma remessa da Norprint…
Cada envio deste nosso parceiro de produção é por nós acolhido como se de prendas se tratasse. A Norprint está, pelo rosto das pessoas incríveis que a compõem (Lopes Castro, Jorge Moreira, e tantos outros), ligada à feliz conclusão de boa parte dos nossos trabalhos. Assim, ver entrar pela porta, aquelas caixas de cartão com a mira gráfica apontada a Norte, constituinte do símbolo da belíssima assinatura da empresa, é sempre uma alegria.
Esta última remessa trouxe uma leva de livros contendo textos da Patrícia Reis e ilustrações minhas. Abri então a primeira destas caixas com uma curiosidade acrescida.
Uau… O livro está impecável. 
A impressão, como sempre… bestial.
Ao longo de 144 páginas de papel uncoated viaja-se no tempo, por uma colectânea de textos da Patrícia aos quais se encontram associadas ilustrações minhas. Algumas destas ilustrações foram concebidas para outros textos, ou para textos nenhuns, e, nesses casos, agora encontram aqui par… algumas foram concebidas há muito tempo. Alguns destes textos têm também bastante tempo… outros são muito recentes… 
…daí a viagem no tempo
Por ideia da Patrícia, e através de mais uma parceria editorial 004/Norprint surge então este volume que funciona também, um pouco como um catálogo de evoluções linguísticas dos nossos trabalhos (escrito e desenhado).
A minha primeira ilustração construída com a linguagem que actualmente mais utilizo, e que consiste em desenhar à mão livre, com caneta preta, e posteriormente aplicar cor digital, foi criada com um forte empurrão da Patrícia. Para quem a conhece, esta referência não será estranha, e saberá que está relacionada com a impulsividade desenfreada que constitui uma das características que lhe estão associadas, e que tão frequentemente dá origem a ideias e soluções loucas e fantásticas, tão incrivelmente desligadas das âncoras e grilhetas da realidade do quotidiano.
Pois então essa impulsividade desenfreada influenciou de forma decisiva o meu trabalho de ilustrador, através de um desafio (leia-se intimação), para ilustrar "Artur Leite – Pai de uma menina", texto de Agustina Bessa-Luís publicado na Egoísta nr 5, edição dedicada ao tema "Saudade". 
A dimensão da relevância deste desafio no meu percurso percebe-se, a partir do momento em que eu refiro que até então nunca tinha aplicado cor digital num desenho meu. Na verdade, até então, o meu trabalho de ilustrador estava restrito a ilustrações a preto e branco com sombreados de aguadas cinzentas, ou alguns raros exemplares de coloração com ecoline.
Ora, a ilustração que fiz para "Artur Leite Pai de uma menina" representou nada menos que, uma ruptura radical com tudo o que tinha feito até aí, e abriu a porta à linguagem que utilizei na maioria do trabalho de ilustração que desenvolvi nos 18 anos que se seguiram. Essa "r"evolução deu-se como resposta a este desafio impulsivo da Patrícia, desafio esse pelo qual lhe estou profundamente agradecido.

Ao longo destes 18 anos descobrimos que gostamos de associar talentos e produzir conteúdos em parceria comunicativa… As palavras da Patrícia comunicando com os meus bonecos, e vice versa. Para mim, um dos pontos altos desta colaboração resultou numa associação entre um belíssimo texto seu, chamado "A sopa", e uma ilustração minha datada de 2002, concebida para esse texto no âmbito da exposição "No quarto escuro", e agora repescada para as páginas 22 e 23 deste nosso livro (reproduzidas acima).
Muitas outras se seguiram… Algumas em formato de livro, outras sob a forma de pequenas BDs publicadas na Egoísta, e agora também reunidas nesta edição.
Deste livro fazem também parte duas BDs nas quais, além das ilustrações, fui também autor dos textos, exercício que me agradou imensamente, e que mais uma vez só foi possível graças à visão livre e descompartimentada com que a Patrícia encara os convites que faz para as colaborações da Egoísta. Estas duas BDs publicadas nas Egoístas "Liberdade" e "Traço", foram construídas em torno de referências visuais e textuais à existência turbulenta da alma humana. Pelo facto de me obrigarem a explorar e trazer novas vertentes para o meu trabalho, constituíram também pontos relevantes no meu percurso de ilustrador…

OBRIGADO Patrícia… OBRIGADO Norprint ; )

Saturday, March 9, 2019

[ O Flautista de Obliscor ]



"Durante toda a noite tocou a sua flauta limb. E aquela música foi-se estendendo noite adentro, como luz suave, a entrar nas casas de todos os habitantes de Obliscor. Era uma melodia um tanto hipnotizante, um tanto enigmática que parecia vir de tempos muito antigos, de um país muito distante, onde, talvez a morte nunca tivesse chegado e permanecido. Era impossível fechar os ouvidos e todo o sentir àquelas ondas sonoras tão leves e vítreas."

Excerto de um texto de Marta Duque Vaz, publicado na edição de Dezembro 2019 da revista Egoísta

Thursday, February 28, 2019

Vieira de Castro _ 75 anos _ A História do Nosso Sabor


Ilustração alusiva à forma como o bolo rei era "formatado" nas origens do processo produtivo da histórica empresa Vieira.
… a abertura central era de facto feita com o cotovelo do "técnico".
As tarefas fisicamente mais exigentes, como o manuseamento e transporte das massas, eram executadas por homens. Às senhoras estavam reservadas outras etapas da produção, relacionadas com a colocação de frutas e decoração final do bolo rei.

Wednesday, February 13, 2019

[ O capuchinho vermelho ]





Então cá vai uma narrativa autobiográfica…
Corria o ano de não sei quando… Era eu – o personagem principal desta história – um muito tenro jovem de uns 12 ou 13 anos. Esta avaliação não é de todo precisa, e tem por base estimativas relacionais com outros eventos, ocorridos alguns anos mais tarde. A minha idade na altura é então assim calculada com base em somas e subtracções cronológicas aproximadas, em relação a eventos outros, felizmente mais marcantes, nos quais a minha idade era mais relevante, e como tal mais facilmente estimável.
Nesse tempo, o meu pai vereava o pelouro da cultura na câmara municipal de Évora. As minhas férias escolares contemplavam sempre uma deslocação até ao Alentejo para a habitual visita filial.
Durante as estadias dessa fase, o meu pai nem sempre conseguia férias, ou até tempo livre. 
Tive a minha quota parte de jantares oficiais e eventos de representação, facto que recordo com satisfação. Foram momentos engraçados.
Mas também passei muito tempo sozinho, vagueando pela cidade e arredores.
Fui algumas vezes ao cinema, às sessões da tarde do desaparecido Eborim, primeiro centro comercial da cidade, com as suas "fantásticas" salas 1 e 2, no qual, a bem da facturação do dia, não se perguntava a idade aos compradores de bilhetes, tornando irrelevante a classificação etária associada aos filmes em exibição.
No verão, durante o mês de Junho, decorria a feira de S. João, no Rossio de S. Brás. Essas noites eram de alegria. A feira, como evento marcante de uma cidade alentejana de grande dimensão, misturava uma componente agrícola (animais, alfaias e máquinas de grande porte) com a abordagem cultural da região (ranchos de folclore e mostras de gastronomia regional), e ainda as diversões típicas deste tipo de feiras (carrosséis, carrinhos de choque, farturas, etc.). 
Durante a tarde, com temperaturas já bastante elevadas, o grande terreno da feira era um recinto algo bizarro. Toda a animação nocturna estava desligada. Muita daquela gente feirante dormia a sesta, descansando da agitação da madrugada anterior, e preparando-se para a da noite vindoura. 
A luz do dia tornava a enorme área de implantação do evento num grande emaranhado de puxadas de electricidade, extensões eléctricas, contadores e quadros improvisados, alimentando uma cidade de rulotes e atrelados… à tarde tudo isto era varrido pelo cheiro a polvo e torresmos grelhados.
Este enorme acampamento heterogéneo virava um labirinto propenso a situações pitorescas e encontros estranhos. Jamais esquecerei a minha experiência voyeur em que no anonimato proporcionado pelos planos desencontrados de rulotes, assisti por acidente, a um muito jovem ciganito beijando recorrentemente na boca uma ainda mais jovem e chorosa ciganita, que claramente incomodada, mas indefesa, nada podia para pôr fim àquele abuso muito pouco infantil. Recordo-me de ter sentido uma profunda má disposição física abdominal… imagino que como se tivesse acabado de presenciar o consumar de uma violação. Perto desta cena estavam dois adultos recostados em cadeiras "de praia", aproveitando a sombra de um pano estendido entre 4 prumos… nada fizeram para pôr termo a esta brincadeira.
Lembro-me também de forma muito nítida do casal chinês, de idade avançada, que possuía uma pequena barraca de gelados de máquina. Passei bastante tempo à conversa com o senhor chinês, durante algumas tardes, enquanto ele montava o aparato feirante para a noite que se aproximava. Eu era mais ou menos adoptado durante um bocado da tarde, num relacionamento de curiosidade e reconhecimento mútuos.
Visitei alguns monumentos, e claro, percorri a pé ou de bicicleta, as ruas da cidade e respectivos jardins…
Foi nessa altura que descobri que os jardins pouco frequentados são um pólo de atracção de vários tipos de transviados sociais.

O jardim municipal de Évora é grande. Encontra-se maioritariamente intra muralhas da cidade, e distribui-se por dois grandes níveis. Em baixo, desenvolve-se em áreas amplas, com pouca vegetação. Em cima, envolve o Palácio de D. Manuel e estende-se por intrincados caminhos de terra batida, ladeados por manchas de vegetação frequentemente densa. À boa moda dos jardins inspirados no romantismo, também este é possuidor de inúmeros recantos vegetais onde se decidiu implantar bancos de pedra, ou da tradicional tipologia pés-de-metal-preto-a-imitar-troncos, sustentando estes, grossas tábuas de madeira verde.
Na face sul do jardim, no patamar superior, à beira do limite imposto pela muralha que aí tem pouco mais do que a altura da cintura, existe um desses recantos introspectivos. Esse recanto tem dois bancos de pedra, ambos posicionados perpendicularmente à referida muralha, e de frente um para o outro. Entre ambos encontra-se uma grossa mesa redonda, toscamente esculpida em pedra.
Numa das tardes em que nenhum outro programa se me apresentava como melhor, lá me embrenhei no emaranhado verde. Como sempre, durante bastante tempo estive sozinho. Caminhei sozinho pelos caminhos de terra batida… deambulei sozinho pelos limites da muralha.
Muito raramente alguém se cruzou comigo.
Chegado a este recanto, o tal da mesa de pedra, o enquadramento pareceu-me fantástico e altamente convidativo a uma paragem contemplativa. Pela sua posição mais elevada optei por me sentar em cima da mesa, de pernas cruzadas, virado para sul, ou seja, com vista para uma parte da cidade, contemplada por cima da muralha que dava por, um pouco acima da cintura.
Tinha o corpo à sombra… a alma tranquila.
Assim estive durante um bocado, até que…
…nessa tarde o lobo mau sentou-se ao meu lado.
…ocupou o banco de pedra situado à minha esquerda, ficando sentado de frente para mim..
Quando o lobo mau surgiu num dos caminhos que davam acesso ao local em que eu me encontrava, naturalmente orientei o meu olhar na sua direcção.
Ele teria entre 55 e 60 anos, possuía uma estatura mediana, para o baixo, usava óculos, e dirigiu-me também um olhar, o qual classifico como desconfortavelmente demorado, levando-me a mim a olhar para outro lado.
O facto de eu me encontrar sozinho num local semi-deserto, e alguém aparecer, decidindo sentar-se a cerca de dois ou três metros de mim, virado de frente para a minha pessoa, foi, obviamente, suficiente para fazer soar um forte sinal de alerta.
A partir desse instante toda a minha atenção ficou concentrada na informação proveniente da minha visão periférica, gerada pelo meu olho esquerdo.
O meu rosto permanecia no entanto direccionado para a frente, dirigido à ampla vista do lado sul da cidade.
O lobo mau, por seu turno, olhava na minha direcção.
Cada segundo daquele momento me pareceu infindável. 
Eu não sentia medo. Sentia sim um enorme desconforto, e sentia-me também afrontado…
Encarava como um enorme abuso o facto de aquele indivíduo saltar sobre todos aqueles obstáculos sociais, e ter assim o descaramento de se ir posicionar ali, ao meu lado, virado para mim, afrontando-me com o seu olhar ostensivo e insistente.
Em mim crescia silenciosamente uma certa ira motivada por aquele intrusivo abuso… Como é que ele se atrevia?…
A dada altura o braço direito do indivíduo moveu-se… A sua mão direita assentou demoradamente sobre uma determinada parte do corpo, criando assim um contexto incompatível com a presença num local público… a sua mão demorou-se aí.
Para mim tornou-se bem claro que era altura de me ir embora. Desci de forma enérgica e segura do meu posto de contemplação sobre a mesa, e, sem voltar a olhar directamente para o indivíduo, iniciei o meu afastamento na direcção oposta àquela da qual ele tinha vindo.
Após um número de passos considerável olhei para trás. Sem grande surpresa constatei que o lobo mau vinha no meu encalço.
Terei dado mais alguns passos, certamente em ebulição crescente, até assumir um modo operativo que já conheço em mim de outras situações na vida... é caracterizado por eu assistir a acções que o meu corpo desempenha sem consultar a razão.
O meu corpo ostensivamente parou…
Ostensivamente baixou-se…
Ostensivamente apanhou um pedregulho de dimensões adequadas ao encaixe e preenchimento da palma da mão direita disposta em concha…
e ostensivamente, virou-se para trás…
O lobo mau estava também parado, imóvel, surpreso… Fazia o que os lobos fazem perante a contrariedade… analisava o contexto e as alternativas que se lhe apresentam.
O lobo mau deu meia volta, e voltou a trote para de onde tinha inicialmente vindo…
Nessa tarde, tudo podia ter corrido mal, muito muito mal… 
… mas à semelhança do pequeno capuchinho vermelho referido no texto de Lídia Jorge, também eu tive sorte.

Friday, February 1, 2019

[ Oferta de Natal _ VIEIRA _ 2018 ]



2018 foi o ano em que a empresa VIEIRA comemorou os seus 75 anos de existência. Este aniversário evocou o mérito empreendedor e os enormes dinamismo e visão do fundador,  António Vieira de Castro, e, celebrou o crescimento e a afirmação da empresa, impulsionada pelos seus descendentes e colaboradores, tornando-a na marca incontornável que é hoje.
Eu tive a honra de ver o meu trabalho associado a esta efeméride, através de colaborações em algumas peças de comunicação produzidas pela 004 ao longo do ano.
Pelo natal, a empresa ofereceu aos seus colaboradores e amigos um belíssimo pack desenhado na 004, pela mão da designer Joana Miguéis. Este presente era constituído por uma lindíssima caixa, contentora de duas embalagens de deliciosas bolachas de água e sal (e azeite :b ), e de uma reprodução de um desenho meu representando dois pacotes da histórica bolacha de água e sal VIEIRA (versão tradicional).
O desenho foi feito com canetas de tinta da china preta, sobre um fantástico papel texturado, dando forma à representação dos volumes pela construção de manchas de diferente densidade de traçado.

Monday, January 21, 2019

+ Papel em branco


Já se escreveu neste blog acerca da forma estranha como porções de papel em branco são possuidoras de atracção magnética, com especial e particular incidência sobre canetas Sakura Micron, com tinta preta, e, de um modo geral, sobre materiais riscadores da mais variada espécie e feitio.
Não há muito mais a acrescentar, excepto sobre o facto de que, tudo o que sobre isso foi dito, corresponder à mais pura verdade.
Nem que seja apenas para um esboço.