A mais recente edição da Egoísta é dedicada ao tema "Democracia".
Este esboço ilustra a procura da solução formal/funcional para a capa.
A ideia por detrás deste
layout é a de que a capa funciona como uma urna de voto na qual está previamente semi-inserido um boletim dobrado em 4.
No rodapé da capa encontra-se um excerto de um poema de Sophia de Mello Breyner: "vemos , ouvimos e lemos... não podemos ficar indiferentes".
A relação do conceito de "Democracia" com o boletim dobrado em 4 e articulado com a ranhura da capa, é, acredito, evidente e decifrável para a esmagadora maioria de potenciais leitores existentes no mundo actual.
Ao retirar e desdobrar o boletim da capa, o leitor apercebe-se de que este é diferente do esperado boletim de voto convencional... No interior, ao invés de se encontrar um alinhamento de opções elegíveis, o leitor depara-se com uma mensagem de conteúdo iconográfico dividida em 3 tempos de leitura. Cada um desses tempos de leitura, faz alusão a uma fase diferente do processo de produção de um voto. Na primeira página do interior da edição (folha de rosto), esse conjunto de icons é relacionado, de forma desenvolvida com o excerto do poema de Sophia, presente na capa.
Se a relação existente entre o jogo formal proposto pelo design da capa e o conceito de "Democracia" é por demais evidente, já a evidência da relação entre o conteúdo simbólico e textual presente no interior do boletim e na folha de rosto, e o conceito de democracia, parece repetidamente negada e refutada pela realidade eleitoral do mundo democrático dos dias de hoje.
Dos sistemas sócio-políticos que a humanidade desenvolveu até hoje, e ainda hoje conhece, a democracia é sem dúvida o que melhor reflecte o ideal da importância da individualidade na constituição do todo.
Há algo de profundamente espiritual nesta ideia.
Se conceitos como, por exemplo, o sistema monárquico, que se afigura como uma modalidade governativa nascida dos tempos de barbárie e de violência física desmesurada, estão vigorosamente implantados no passado, e são gradualmente diluídos no avanço da história, já a inspiração democrática sopra às sociedades humanas como um conceito do futuro, totalmente idealista, e sem âncora firmada na dura vivência do quotidiano das nações que a foram abraçando.
Em breve, na nossa história, se provará se os homens estavam à altura de tão iluminada evolução civilizacional.
Vivemos uma época decisiva para a humanidade, e a Democracia enquanto sistema gerador de decisões com potencial para condicionar o destino de uma fatia considerável, e indirectamente, da totalidade da humanidade, bem como do próprio planeta, será posta à prova com enorme rigor e intransigência.
Neste teste não haverá margem para erro.
O efectivo"funcionamento" das democracias é indissociável de algumas premissas, cuja realidade do dia-a-dia da actualidade, prova reiteradamente não estarem a ser cumpridas. A mais grave ruptura observável nesse pequeno conjunto de pré-requisitos dá-se ao nível do desligamento entre o cidadão votante e a absorção e consequente digestão da matéria prima para produção de um voto de qualidade (sustentado por um discurso racional elaborado e coerente) – a informação.
Uma democracia composta por votos sem qualidade, será ainda formalmente uma democracia, mas, permeável a influências e manipulações que condicionam o rumo resultante das suas decisões.
Essa ruptura é facilmente constatável no decréscimo assustador das vendas de jornais e revistas de informação generalista e independente. Na avaliação dos cidadãos votantes, o acesso a informação de fontes credíveis, bem como a manutenção da independência das mesmas (através da sua sustentação por vendas e publicidade), não justifica, na sua perspectiva (a dos cidadãos votantes), o dispêndio de uma pequena quantia do seu orçamento mensal (equivalente ao valor de uma refeição de
fast-food por mês), aplicado na assinatura digital de um jornal generalista com edição diária.
O acesso a "verdadeira informação", pela via do contacto com notícias desenvolvidas e detalhadas, com fontes devidamente identificadas, está a ser voluntariamente substituído por, "ilusão de informação", através da leitura de
feeds sucintos (por vezes apenas leitura de títulos) nas redes sociais, muito frequentemente sem acesso às fontes que produziram esses conteúdos.
Esta tendência, a manter-se, acabará por conduzir ao declínio acelerado do nível e qualidade de informação detida pelos cidadãos e também à dificuldade de sobrevivência, e mesmo à eventual extinção dos meios de informação independentes e credíveis, base das democracias saudáveis e funcionais.
Está criado o terreno para a manipulação
desinformativa, para as
fake-news e para o colapso informativo.
Há uma profunda ironia no facto de este panorama se configurar na fase da história da humanidade, em que se encontra disponível para as sociedades, a maior quantidade de informação de sempre, e de o acesso à informação poder ser feito mais rápida e facilmente do que nunca.
Estarão as democracias actuais à altura do seu melhor desempenho no patamar de desafios que a humanidade tem pela frente?
Estará a humanidade à altura da dádiva espiritual do ideal democrático, que reconhece o valor inalienável de cada um, depositando na unidade a responsabilidade de, colectivamente decidir o destino do todo… do tudo?
O rumo dado por sucessivos actos eleitorais a alguns países do mundo democrático parece conduzir alguns desses estados no sentido do isolamento, da exaltação dos nacionalismos, da afirmação dos interesses exclusivamente nacionais.
Num tempo em que os desafios que se colocam à humanidade e ao planeta, exigem de forma cada vez mais evidente e urgente, acções concertadas a nível internacional, esse rumo focado nos interesses exclusivamente nacionais poderá claramente induzir nestes processos de desafio global, atrasos tragicamente grandes, tendo em conta a diminuta janela temporal disponível para as acções que se impõe desenvolver.
A complexidade e abrangência das temáticas em causa, e sobre as quais os cidadãos votantes são e serão chamados a decidir, é enorme, e exige de cada um, o esforço de encaixar nas rotinas do dia-a-dia momentos dedicados à absorção de informação e sua posterior digestão.
1
vemos, ouvimos e lemos
– não… apenas ler os
feeds nas redes sociais não é suficiente
– quando um candidato a ditador pretende acabar com uma democracia, a primeira coisa que faz é condicionar os meios de informação. Suportar e fortalecer os meios de informação independente é assim fundamental para a preservação das democracias
– nesse sentido, assinar um jornal generalista independente é uma boa ideia. É possível fazê-lo mensalmente pelo valor de uma simples refeição de
fast-food.
– a troca de ideias permite considerar outras perspectivas sobre a mesma temática, constituindo assim um bom método de definição de posições pessoais.
2
…não podemos ficar indiferentes
– a qualidade global de uma democracia depende da digestão individual que os cidadãos votantes fazem da informação disponível, bem como da forma como reflectem as ideias debatidas nas suas intenções de voto.
3
– votar
– votar mesmo
– para um observador externo à realidade humana, a constatação da existência de elevadas taxas de abstenção, transmitiria, certamente, a ideia de que os potenciais votantes, não valorizam, e, desejam mesmo abdicar do sistema democrático…
a ideia de que desejam…
…
o fim da democracia