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Wednesday, December 27, 2023

Tuesday, December 5, 2023

[ Carta a Israel ]

 


… como é estranha esta parte do mundo, três vezes santa.

Para um visitante externo às “civilizações” terrestres, pareceria ser este, certamente, um local agraciado com bênçãos em triplicado…

Pareceria certamente que, dos enormes excertos comuns a estas três narrativas, poderia apenas emanar grande entendimento e compreensão… mãos dadas para o futuro.

Puro engano… O homem-macaco dá aqui especiais largas ao seu gosto por sangue dos seus irmãos, e ali gosta de colhê-lo em taças de cacos colados… apanhados nos escombros.

Há coisa de 25 ou 30 anos, dirigi uma carta ao embaixador de Israel em Portugal.

Missiva à moda antiga, circulando em papel assinado à mão e despachada em envelope selado.

As linhas que lhe dirigi espraiavam a minha perplexidade com o desempenho das tropas israelitas nos postos de controlo de acesso à Faixa de Gaza.

Tinha eu assistido a um documentário da BBC, sobre a actividade diária nos referidos postos de controlo.

A entrada ou saída da faixa de Gaza era gerida pelos soldados israelitas, através de apertados controlos nestes checkpoints de acesso.

Do grande número de pessoas que diariamente procurava percorrer a passagem entre estes dois mundos, a larga maioria era (e ainda hoje será) palestiniana, claro. Essa maioria tenta fazer esse percurso essencialmente por motivos de trabalho ou familiares.

O passo lento e as inúmeras paragens prolongadas são justificados pelo desenrolar dos vários procedimentos de segurança, dos quais os soldados comtroladores conpreensivelmente não abdicam. Verificação de documentos, perguntas sobre a natureza da deslocação pretendida, ou sobre as relações com as pessoas com as quais o pretendente se vai encontrar.

Até aqui tudo é fácil de perceber.

O tema assume contornos revoltantes quando se revela a postura e o tom adoptado pelos jovens soldados, perante os alvos diários do seu controlo.

Foi esse o móbil da minha carta. 

Na minha leitura das imagens exibidas, era tão imprópria e desadequada a atitude ostentada pelos soldados israelitas que não pude deixar de a associar à imaturidade da sua visível tenra idade, muito embora estivesse também, e principalmente, ligada a uma evidente deficiência na sua formação moral enquanto meros cidadãos.

No texto que elaborei, a dada altura, referi que o comportamento exibido pelos jovens soldados me recordava os episódios em que eu, enquanto criança, era esporadicamente abordado, nos meus percursos casa-escola/escola-casa, por pequenos gangs de crianças e/ou adolescentes (visivelmente pertencentes a franjas desfavorecidas da sociedade), empoderados pelo número de elementos que compunham esses grupos. Vagueavam pelas ruas da cidade, usando o tal poder dos números, para esmagar o ego e, esvair de amor próprio as crianças e/ou adolescentes tresmalhados com os quais se cruzavam, através do roubo, da injúria, da humilhação, ou da pura e simples agressão física.

Era essa postura que eu reconhecia na forma como os (demasiado) jovens soldados israelitas abordavam, questionavam e inspecionavam homens e mulheres, novos e velhos, cidadãos palestinianos, que tentavam atravessar os postos de controlo da Faixa de Gaza de então.

Pus-me no lugar dessa gente. Imaginei a minha mãe ou uma irmã, ou um dos meus avós, a serem tratados assim, diariamente, à minha frente, pelos imaturos, irresponsáveis e impreparados representantes de um estado opressor.

Escrevi então ao Embaixador de Israel em Portugal, expressando o meu choque com a situação que acabava de conhecer, dizendo que me parecia evidente a responsabilidade dessa imaturidade e falta de formação moral, aparentemente orientadora destas interacções, na criação e desenvolvimento de um sentimento descontrolado de revolta, e na geração de emoções que uma vez surgidas na alma de quem já nada tem a perder, facilmente poderiam ser direccionadas para acções negativas e profundamente condenáveis (estava eu longe de imaginar situaçãoes extremas como as que ocorreram dia 7 de Outubro passado).

Desde a minha carta, a qual possivelmente nem chegou às mãos do seu destinatário final, quantas almas boas terão, por estes e outros mecanismos ainda mais violentes e injustos, atravessado a fronteira da bondade, abandonando esse território sem retorno?

Na resposta israelita aos horrores de 7 de Outubro de 2023, as suas acções militares já custaram a vida a milhares de civis palestinianos, através de abordagens bélicas que parecem não ter em conta o valor real desse custo, e a desproporção para o resultado obtido. O seu carácter repetitivo parece indiciar apenas uma coisa – o mais profundo desprezo pelo valor de cada vida que compõe o povo palestiniano.

Segundo notícia do jornal Público de 3 de Dezembro: 

“Os números são de uma dimensão esmagadora: mais de 15 mil mortos (incluindo 6000 crianças e 4000 mulheres); 6000 bombas largadas só durante os cinco primeiros dias da guerra (com um peso de cerca de 4000 toneladas); 15 mil alvos atacados nos primeiros 35 dias”. 

(Excerto da notícia do Jornal Público, edição online de 03 de Dezembro 2023, por Sofia Lorena, com actualização às 21h12). 


Israel pretende eliminar rapidamente os perpetradores dos terríveis ataques terroristas ocorridos a 7 de Outubro. 

No contexto destas acções, interrogo-me sobre quantos novos futuros terroristas terá já Israel feito nascer…


Passados todos estes anos a minha carta continua sem resposta.

Tuesday, August 8, 2023

[ Sabemos de onde partimos… não sonhamos onde iremos chegar. ]


Post SOUNDTRACK
https://www.youtube.com/watch?v=TEaD9QM3g_Q&list=OLAK5uy_m79Ya00-LlerD1fhNXHdo3aAvX5NL_vYg&index=10


Sabemos de onde partimos, temos ideia da direcção que tomámos, não sonhamos onde iremos chegar.

No ano da graça dos Senhor de 2023, a união europeia prevê atingir a neutralidade carbónica daí a 27 anos.

No ano da graça dos Senhor de 2023, por alturas de Junho, bateram-se recordes históricos de temperatura média global. 


– 17°C.–


Não parece muito, mas se considerarmos que este valor resulta da média de leituras extremas registadas no planeta, incluindo os valores mais frios (gelos polares), e os valores mais quentes (desertos mais tórridos), a perspectiva é já outra. 

A 21 de julho já era possível afirmar que “Julho de 2023 será provavelmente o mês mais quente do mundo em "centenas, se não milhares, de anos", afirmou o climatologista, citado pela agência AFP.” (Caos climático marca o mês de Julho na Terra. Os avisos da NASA e de outros cientistas) 

https://www.publico.pt/2023/07/21/azul/noticia/caos-climatico-marca-mes-julho-terra-avisos-nasa-cientistas-2057671 )

O início de Agosto trouxe a confirmação.

Julho foi de facto, a nível global, o mês mais quente de que há registo, tendo sido batidos recordes de temperatura do ar e da água à superfície do oceano.

https://www.publico.pt/2023/08/08/azul/noticia/nao-ha-memoria-mes-tao-quente-julho-2023-2059512

Se ainda havia a ilusão de que era possível manter o aumento da temperatura média global abaixo do patamar de 1.5 graus a mais do que na época da revolução industrial, essa ideia acaba de se esfumar na mente dos otimistas.

Agora os olhos estão postos no patamar dos dois graus. Queremos manter-nos abaixo dele, mas o pessimismo é crescente, embora ainda silencioso.

A realidade encarregar-se-á de nos mostrar onde iremos aterrar. Será muito provavelmente numa existência sem corais nos oceanos, sem ursos polares no ártico (apenas nos zoos e nos bancos de preservação de ADN), sem tantas espécies que se pensavam indissociáveis da nossa ideia de planeta terra. Não existe no entanto uma ilustração definida das consequências que essas alterações representarão para nós humanos.

Até que ponto conseguiremos destruir o nosso ecossistema, e, ainda assim, sobreviver? O desafio implícito nesta pergunta tem tanto de impossível, como de ridículo.

O ritmo de aceleração das alterações do clima é bem mais acentuado que o ritmo da agenda do combate humano às mesmas.

A lógica do plano de combate parece-me ferida de morte.

A pequena fatia do globo que se encontra na vanguarda social e tecnológica, diagnostica e monitoriza a evolução do problema das alterações climáticas e da sustentabilidade da vida na terra, emitindo consequentemente alertas globais sobre a questão. A esperança desta minoria é a de que as restantes fatias deste bolo de humanidade, a oiçam, e ajam de acordo com as exigências de salvação do planeta.

Acabe-se com as centrais eléctricas de queima (carvão, diesel ou biomassa), não se construam sequer as centrais eléctricas nucleares, converta-se as frotas circulantes (aéreas, navais, rodoviárias) para eléctricas, alterem-se os padrões culturais das comunidades no sentido de reduzir o ritmo de crescimento da população, a qual, deverá simultaneamente, reciclar, e, consumir dando primazia a preocupações de sustentabilidade e ciclo de vida dos bens consumidos (independentemente do reflexo dessas preocupações no preço final a pagar). Modere-se também a voracidade consumista sem fundamento na necessidade real, bem como o expansionismo urbano sempre a par da degradação das áreas selvagens e de contexto natural.

Em resumo… aprendam com os nossos erros (da vanguarda civilizacional), bem documentados na nossa história, e evitem replicar/agravar os problemas por nós primeiramente criados e posteriormente ampliados, sob pena de virem, pela vossa dimensão e número, precipitar a impossibilidade irreversível de vida neste planeta, para todos nós… para os nossos adorados filhos.

Creio então ser esta a ferida que provocará a septicemia do plano de salvação do mundo.

Nós…, vós…, eles…


Em posts anteriores deste blog de ilustração, este ilustrador, referiu já em textos de carácter ilustrativo, tecidos em torno das suas ilustrações, a convicção de que a solução para boa parte dos problemas mais relevantes do mundo, implica uma ablação da lógica do cada um por si dentro das suas fronteiras.

O problema da auto-induzida ameaça do caos climático à vida neste planeta, não é excepção. É mesmo um dos principais problemas a exigir soluções unificadas. O caminho que actualmente trilhamos, no qual os vários países analisam, decidem, e agem (ou não), por conta própria, e ao seu ritmo, está a levar-nos rapidamente para a cremação em vida.

Ao contrário de outras ameaças, esta exige acção imediata.

Por exemplo, no caso da auto-induzida ameaça nuclear, o posicionamento é diferente. Basta manter a serenidade, não assumir posturas agressivas no panorama geopolítico, e não carregar no botão. Se todos fizerem isto, a vida continua.

No caso da questão climática o problema é que a própria continuação da nossa vida dita “normal”, através do adiamento diário das alterações aos nossos hábitos, vai ser a causa da irreversibilidade da crise. Não basta não fazer nada.

Creio que este desafio é o derradeiro teste à nossa humanidade (encarada no sentido do olhar compreensivo e inclusivo para com o outro).

Creio que teremos que assumir, embora à força, “a generosidade como causa”.

O cerne da actual crise é essencialmente uma questão científica e tecnológica.

É necessário desenvolver tecnologia de suporte às várias vertentes operativas da existência humana, sem com isso comprometer a integridade dos ecossistemas.

É necessário produzir alimentos, energia, e bens de consumo, sem com isso precipitar a degradação não renovável dos recursos.

Este problema é essencialmente tecnológico.

Mas, uma vez desenvolvidas as soluções que permitam a sustentabilidade de um determinado novo modo de vida, será fundamental fazê-las chegar a todos.

De nada adiantará à reduzida esfera dos países mais desenvolvidos, a detenção de uma grande quantidade de patentes de ideias com potencial para salvar o mundo, se a grande esfera dos países menos desenvolvidos tiver que pagar fortunas para implementar essas mesmas ideias.

O objectivo supremo do lucro, o qual até aqui tem gerido (naturalmente e compreensivelmente), o desenvolvimento das boas ideias, tem que, neste caso, ser invertido.

O interesse global da sobrevivência e a habitabilidade do planeta não são compatíveis com os interesses corporativos do lucro, geridos pelos parâmetros do capitalismo tradicional. Vai ser necessária uma espécie de socialismo climático internacional.

Os países detentores de tecnologia da sustentabilidade, se quiserem que os seus filhos tenham futuro, terão forçosamente que partilhar essa tecnologia a preços acessíveis (ou até em alguns casos oferecer), com os países que não a possuem, nem têm condições de a desenvolver.

Mas creio que esta lógica não terá que se aplicar só entre nações.

Se na administração interna de cada país, a conversão tecnológica para os recursos técnicos que promovem a sustentabilidade, tiver que ser feita à custa, apenas, da capacidade financeira dos agentes económicos, e sendo orientada por critérios capitalistas tradicionais, essa conversão será evidentemente demasiado lenta, e, garantidamente nunca será completa. 

Por exemplo, se a conversão para veículos elétricos da frota automóvel do tecido empresarial de PMEs,  tiver que ser feita, sem apoios fortes, generalizados e prolongados dos estados, e apenas à custa da disponibilidade financeira dessas empresas, não será certamente uma transição rápida (pelo menos tão rápida como necessário), e muito menos total. 

Também nesta esfera (a da governação interna de cada nação), será fundamental uma lógica de disseminação a custo reduzido das prácticas de exploração, desenvolvimento e implementação das boas ideias para a sustentabilidade.

Sem esta lógica de “dádiva”, a fundamental mudança não acontecerá no tempo necessário.

A nível internacional esta transferência low-cost de tecnologia para a sustentabilidade, se verificada do mundo mais desenvolvido para o menos desenvolvido, afigura-se-me ainda como que tratando-se da colocação de um peso na balança da moralidade histórica, contribuindo para uma redução do enorme desnível, resultante de séculos de prevalência na humanidade, de uma lógica de exploração do mundo (territórios e povos) menos desenvolvido, pelo mundo (territórios e povos) mais desenvolvido. 


Com recurso a esta lógica de “oferta”, a fundamental mudança… também não me parece possível de se dar no tempo necessário.

Mas pelo menos teremos tido visão… e seremos cremados em vida, com a nossa consciência um pouco mais tranquila.

Friday, June 23, 2023

[ O Rei de Marfim ]






 Quando o rei de marfim está em perigo,

Que importa a carne e o osso

Das irmãs e das mães e das crianças?


Fernando Pessoa, Poesias – Heterónimos



Esta cena, com poucas alterações na indumentária das figuras em primeiro plano, poderia referir-se a um grande leque de temáticas diferentes, caracterizadas pela acção decorrente no plano posterior… lá… bem ao fundo do enquadramento.

A ideia principal consiste na imperturbável obstinação dos dois senhores Persas, com o seu jogo de xadrez, enquanto a sua cidade é atacada por invasores assassinos. 

É no entanto transponível para tantos temáticas relevantes do nosso quotidiano.

Substituam-se então os senhores Persas por dois cavalheiros sem turbantes, de calças de ganga e camisas de mangas arregaçadas.

Proponho agora, de várias possíveis, 3 alternativas ao fundo da ilustração.


– CENÁRIO HIPOTÉTICO 1… de vários possíveis

Todo o horizonte em chamas… Todo o céu cinzento escuro, tinto de colunas de fuligem ascendente, resultante da combustão generalizada da paisagem de fundo, num clima sobre-aquecido.

Os 47,4 graus centígrados atingidos na Amareleja em 2003 não seriam tema de conversa entre estes dois protagonistas. Nem o facto de os três anos mais quentes de que há registo a nível mundial (2016, 2019 e 2020), estarem todos encaixados na última década, ou ainda, o facto de as três últimas décadas terem sido, à vez, sucessivamente mais quentes que a anterior… tal também não seria referido entre eles. 

Ali, debaixo daquela árvore, à sombra, envoltos pela brisa amena do seu contexto particular… não se está mal. 

Cavalo para c3. 


– CENÁRIO HIPOTÉTICO 2… de vários possíveis

Ao fundo decorre uma enorme manifestação de protesto. Trata-se de uma massa de indivíduos empunhando cartazes, e gritando de forma coordenada palavras de protesto. Na amálgama de sons, é claramente perceptível a sonoridade articulada de [ei, ái], identificando-se a sigla inglesa AI, de “artificial intelligence”.

Os protestos são convocados a nível mundial, após a inundação das redes sociais por imagens que mostram o ex-presidente norte-americano Barack Obama a pontapear uma idosa, em plena via pública. As imagens são incrivelmente realistas, e, veio posteriormente a saber-se, após filtragem por um software de fact-cheking (gerido por AI), tratar-se de um vídeo gerado por aplicações de AI. As imagens, eram acompanhadas de textos irrepreensivelmente estruturados e construídos, também gerados por AI. Esses textos estavam isentos dos erros e problemas de construção frásica que frequentemente indiciam o seu caráter falso. Essas mensagens apresentavam ideias que visavam condicionar o posicionamento político dos votantes no partido democrata norte-americano, e comprometer a sua base de apoio nas próximas eleições.

Pelo resto do mundo, diferentes tentativas de manipulação, suportadas pelo apuramento e autonomia de geração de conteúdos da AI, têm sido denunciados, e os seus estragos são evidentes,

Os cidadãos que não acedem directamente a fontes de informação credíveis, nomeadamente através da regularidade de uma assinatura, ou da compra pontual de jornais generalistas, não têm referentes para se posicionar em relação ao que chega até si através das redes sociais… Como tal, constituem-se como componentes de terreno fértil para a disseminação de conteúdos falsos de manipulação de massas. 

A Democracia está em perigo.

Mas os nossos dois jogadores têm mais em que pensar.

Peão para e4.


– CENÁRIO HIPOTÉTICO 3… de vários possíveis

Os campos em fundo estão iluminados pela luz do entardecer. O atenuar da luminosidade do meio do dia, faz com que o céu apresente um azul convicto e profundo. 

Sobre esse fundo azul, deambulam cinco objectos brancos. 

Três deles encontram-se agora estáticos, e os restantes dois efectuam deslocações rectilíneas, interrompidas instantaneamente por paragens e/ou mudanças de direcção que caracterizam, por vezes, ângulos agudos. Estes movimentos não encaixam nas leis da física que a humanidade aplica às teorias em vigor para explicar o vôo tecnológico, e muito menos se coadunam com a ideia do vôo pilotado. As velocidades exibidas são impossíveis, e as manobras… inexplicáveis. 

Nenhum dos objectos tem asas, ou quaisquer outras superfícies associáveis ao controlo do vôo. Nenhum deles tem reactores, nem liberta aparentemente gases de exaustão.

O facto de no dia 16 de Dezembro de 2017 a temática OVNI ter ascendido, de assunto risível, a tema válido, tratado em artigos sérios, por jornalistas de jornais credíveis, é ignorado pelos nossos jogadores de xadrez. As implicações da aceitação desta nova realidade para o futuro, presente e passado da humanidade, são para eles um não-assunto.

Cavalo para f6. 


O assunto principal da sua troca de palavras seria, muito provavelmente a jogada que cada um deles se encontraria a executar no momento, e, entre jogadas, como assuntos secundários, existiria um alinhamento de tópicos que poderia passar pelos comentários tecidos nas redes sociais por um conjunto de “influencers”, as novidades resultantes dos episódios recentes dos reality-shows do momento, os resultados dos mais disputados campeonatos de futebol, as deambulações sociais e amorosas dos melhores jogadores de futebol do mundo, os restaurantes mais concorridos do momento… considerações sobre carros, motas e telemóveis. 

Dama para h5. 

…Xeque ao rei.

Monday, May 29, 2023

[ Alberto Caeiro ]


"Alberto Caeiro nasceu em Lisboa, em 1889 e morreu em 1915, mas viveu quase toda a sua vida no campo, com uma tia-avó idosa, porque tinha ficado órfão de pais cedo. Era louro, de
olhos azuis.
Como educação, apenas tinha tirado a instrução primária e não tinha profissão."


Fernando Pessoa, carta a Adolfo Casais Monteiro, 13 de janeiro de 1935


Monday, May 15, 2023

[ Reflexos de pessoas ]


 

Quem via Pessoa, ao contemplar os reflexos da sua fisionomia?

Que entidade(s) era(m) essa(s) que se lhe apresentava(m) do lado de lá da superfície reflectora?

Como era grande o potencial revelador dessa superfície… E que estranha magia operava…

No ano de 2022 da graça do Senhor, ao contemplarmos algumas das mágicas superfícies a que chamamos ecrãs, outro tipo de magias passou a operar-se. Outro tipo de alquimia se configurou.

A partir desse ano, passou a ser possível relacionarmo-nos com uma nova entidade intangível chamada “Inteligência artificial”, vulgo AI (Artificial Inteligence).

Boa parte dessa interacção acontece, desde o final desse ano, por intermédio de uma ferramenta alquimica denominada CHAT GPT4, recurso interactivo disponibilizado pela Microsoft… actualmente a cada vez mais pessoas, de um número crescente de estratos etários, em cada vez mais dispositivos.

A concorrência não tem critérios diferentes. A Google seguir-lhe-á os passos, orientada claro, pelo objectivo de não ficar para trás na corrida.

Essa corrida e seus objectivos, são por si só legítimos no contexto das sociedades da actualidade.

Contudo, as consequências desse percurso, e principalmente da velocidade a que o mesmo está a ser percorrido, assumem contornos altamente preocupantes.

Em Março deste 2023, foi divulgada a existência de uma petição, assinada por uma lista de estudiosos e promotores desta realidade tecnológica (entre os quais Elon Musk), pedindo a suspensão do desenvolvimento de aplicações que recorram a AI, para permitir a discussão, e posterior regulação legal, dos desenvolvimentos futuros.

Um dos progenitores da AI, de seu nome Geoffrey Hinton, em entrevista datada desse mesmo mês (Março de 2023), afirma-se convicto de que a revolução que a AI vai provocar na vida humana é comparável à revolução industrial, ou à introdução da electricidade nas dinâmicas operativas da nossas sociedades. Por outro lado afirma ser imprevisível o nível de reais consequências dessa revolução. 

Na verdade, nem Geoffrey Hinton, nem Elon Musk, nem os optimistas representantes da Microsoft, ou da empresa OPEN AI (criadora do CHAT GPT4), podem prever a verdadeira dimensão do abalo. Seria o mesmo que lançarmo-nos a tentar caracterizar a personalidade adulta de um recém-nascido.

Ela vai desenvolver-se, e evoluir autonomamente, e, só a passagem do tempo revelará as suas características, as quais, ainda assim, permanecerão, no caso AI, em todas as fases da sua evolução, em transformação contínua, devido à infinitude do imparável processo da sua auto-instrução.

Haverá no entanto uma diferença – A AI é desprovida de declínio físico, e a morte só lhe virá por meio de um “apagão eléctrico” generalizado e definitivo.

Num inquérito denominado “The 2022 Expert Survey on Progress in AI”, promovido por Tristan Harris e Max Tegmark, de um universo de 162 investigadores na área, 81 (metade) acreditam que existe um risco na ordem dos 10%, de que a humanidade se extinga por incapacidade de regular a AI e suas implicações.

A afirmação, de tão chocante, afigura-se inverosímil.

Numa apresentação promovida pelo “Center for Humane Technology”, em Março deste ano, “ intitulada “The A.I. Dilemma”, apresentada pelo referido Tristan Harris, e por Aza Raskin, é sugerida a seguinte analogia em forma de pergunta aos espectadores: “entrariam num avião em relação ao qual 50% dos engenheiros aeronáuticos ligados à sua construção, dissessem haver uma probabilidade de 10% de colapso tecnológico em vôo?” 

Soa a ridiculamente alarmista… Mas dá que pensar.

O também já referido Geoffrey Hinton, progenitor da AI, demitiu-se recentemente do seu cargo na Google, para poder denunciar sem conflitos de interesses, os perigos da implantação e desenvolvimento da AI.

Parece que estamos a ler as primeiras páginas de um enredo de ficção científica… a desenrolar-se agora… no nosso dia a dia.

Assim, à primeira vista, face aos desenvolvimentos apresentados por ferramentas como o CHAT GPT4, DALL·E 2, etc. parece haver campo aberto para a instalação de um certo entorpecimento intelectual, advindo do potencial para criação de conteúdos e construções de texto ou imagem, narrativas e conceptuais, disponível nestas ferramentas. A sua aplicabilidade estende-se pela composição de notícias, livros, resumos, críticas, cartas, emails, trabalhos escolares etc. A lista é potencialmente tão longa quanto a das variantes de composição escrita, fotográfica e ilustrada, possível de realizar pela criatividade da nossa espécie.

Assim, à primeira vista, escritores, jornalistas, fotógrafos, artistas visuais, ilustradores, entre tantas outras actividades, verão o seu volume de trabalho reduzido.

Abre-se caminho para um novo tipo de ativismo, promovido e levado a cabo por quem reconhece a perda para a humanidade, advinda desta transformação.

As alterações no panorama cultural serão enormes. Preparemo-nos.

A apetência/exigência por, e para, conteúdos gerados por pessoas, tornar-se-á estratificante na sociedade, e esse tipo de conteúdos merecerá carácter distintivo.

Creio que vamos assistir à criação de selos, ou marcas distintivas, atestando o carácter humano da geração de conteúdos. Um pouco como vemos hoje nos selos de “produto biológico certificado” associados visualmente aos produtos agrícolas gerados de forma orgânica. 

Será primeiramente do lado dos compradores de conteúdos que haverá margem para ativismo. Actores vitais na estruturação das actividades que recorrem à criatividade (edição, publicação, promoção, etc), serão estes os decisores das modalidades de geração desses conteúdos a contratar.

Haverá também lugar ao posicionamento consciente de uma parte do público sobre esta temática, e como tal, margem também para um grau de exigência relacionado com esta questão, enquanto consumidores finais desses conteúdos..

Em todas as grandes transições tecnológicas houve defensores acérrimos, bem como críticos ferozes desses processos.

Em relação à AI não será diferente.

O que parece no entanto preocupar muitas das vozes que actualmente sobre este tema se fazem ouvir, é o ritmo da mudança, e a total imponderabilidade do panorama resultante dessa mesma mudança.

Aceleramos descontroladamente rumo ao alto de uma lomba, sem saber o que nos espera do lado de lá.

Os perigos que facilmente se avistam exigem regulação por instâncias superiores, e a gravidade desses perigos parece obrigar (mais tarde ou mais cedo), à criação dessas regras, desejavelmente a montante da ocorrência de problemas.

Se analisarmos a forma como normalmente os processos reguladores se dão, constatamos que, regra geral, eles são reactivos à ocorrência dos problemas resultantes da novidade.

Neste caso, se assim for, as consequências poderão ser demasiado graves.

O leque de possibilidades para utilização positiva destas tecnologias é no entanto imenso… e como tal… a mudança é, e deseja-se (depois de preventivamente regulada) imparável.

A capacidade da AI para análise de dados, e posterior sugestão de desenvolvimentos consequentes, baseada nessa análise, é impressionante, e constitui-se como uma ferramenta impossível de descartar.

É enorme o leque de actividades que poderão beneficiar das aplicações destas tecnologias. A nível científico, médico, jurídico, empresarial, policial, criativo…

Contudo, é também evidente que este aumento exponencial das capacidades de geração autónoma, análise e processamento de dados vão originar taxas de desemprego nunca antes vistas.

Da mesma forma que a proliferação de postos de auto check-out em grandes superfícies comerciais (caixas de pagamento self-service), origina a dispensa de um número equivalente de operadores de caixa, também o alastramento das ferramentas de AI originará a dispensa de colaboradores de entidades geradoras de conteúdos, e de processamento ou tratamento de dados.

Nas actividades em que actualmente existe défice de fluidez operativa, este aumento de capacidade das máquinas será muito bem-vindo.

Em muitas outras áreas, o total da diminuição de necessidade de operação humana… será uma calamidade.

Socialmente, os governos enfrentarão a muito curto prazo, enormes desafios. Na primeira linha de preocupações estará a questão da atribuição de rendimento, independentemente da existência de trabalho, ou seja subsídios.

O número de pessoas para as quais pura e simplesmente não existirá actividade produtiva remunerada disponível, vai crescer, e será necessário financiá-las (para que se sustentem), e ainda, mantê-las activas e ocupadas, estimulando interesses pessoais construtivos e positivos, para que não se percam na loucura do despropósito existencial.

Para tal serão possivelmente necessários mais impostos, eventualmente incidentes sobre a aplicação de tecnologias geradoras de desemprego, e muito, muito… debate político, para aceitar e acomodar tudo isto.

Outro aspecto que é muito focado no debate sobre a AI é o potencial para geração de conteúdo desinformativo.

A geração de texto e imagem com características que inspiram no leitor legitimidade e credibilidade, vai permitir a criação de “Fake-news” a um ritmo alucinante.

Há já quem tenha proclamado que as eleições americanas de 2024 serão as últimas nas quais o protagonismo será predominantemente humano.

Por outro lado, a gigantesca capacidade de análise de dados das ferramentas de AI, também aparenta ter capacidade para efectuar “fact-checking” a um nível de eficiência muito levante… o que pode equilibrar um pouco os pratos dessa balança.

Como se comportarão as democracias quando sujeitas às ondas deste trerramoto?


A mudança está aí, e continuará a acontecer. A ferramenta de AI da google, denominada “BARD” está em vias de se tornar acessível aos utilizadores, dando assim continuidade aos avanços na área, por via da concorrência.

A acima referida petição assinada por Musk, e notáveis do universo AI, pede apenas uma pausa no desenvolvimento, para que haja tempo para debater e regular, antes da ocorrência de efeitos indesejados para as sociedades humanas.

É no entanto pouco provável que o seu pedido seja ouvido.

Se Pessoa vivesse tudo isto, interrogo-me sobre que características teriam as entidades que lhe seriam devolvidas pelas superfícies refletoras.