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Tuesday, May 17, 2022

[ Antero de Quental #1 ]


POST SOUNDTRACK
https://www.youtube.com/watch?v=GFoT6UUNLZc

      Com os Mortos


Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos...

E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos...

Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.


Antero de Quental

Wednesday, May 11, 2022

[ Grato a Eça ]



O autor que me fez descobrir o enorme prazer que a leitura de um livro pode proporcionar, foi Eça de Queirós.
O livro veículo desta descoberta… A Ilustre Casa de Ramires, com primeira edição publicada há 122 anos.
A nível de conteúdo, houve para mim, na leitura deste livro, um grande alinhamento de referências narrativas, com referências pessoais do meu eu da altura. A vertente da acção medieval, presente nas vivências de Tructesindo Ramires, encaixou que nem uma luva num imaginário que eu explorava em banda-desenhada de produção própria. Também me disse muito a aura do tradicionalismo rural português de Vila Clara, na qual decorria uma parte da acção do tempo "presente" do livro. 
Mas a experiência desta leitura foi marcante a um outro nível. Consigo recordar com enorme nitidez, os finais de dia passados em solitária e saborosa degustação do meu livro… na sala da casa, lendo à luz amarela do candeeiro que estava na prateleira superior do móvel da aparelhagem Onkio. No gira-discos, como moldura sonora desses momentos, eu, com frequência fazia rodar o vinil dos concertos de Brandenburgo, de Bach, numa fantástica gravação da Deutsche Grammophone de uma interpretação com instrumentos da época. 
… Como encaixava bem aquela música nas páginas do meu livro… 
… Como encaixava bem esse binómio nos fins de dia do meu eu da altura…
Num dos anos escolares seguintes, o programa de leituras da cadeira de Português trouxe até mim Os Maias
Nessa outra fase da minha adolescência, também este livro me proporcionou belíssimos momentos de leitura. 
A tragédia amorosa de Carlos da Maia e Maria Eduarda, confirmou-me um convicto fã da escrita de Eça. 
Tendo esses momentos da minha vida ainda tão presentes na memória, foi com enorme entusiasmo que recebi o desafio da Porto Editora para ilustrar alguns momentos narrativos d'Os Maias, para o Marca a Página 11, manual de português elaborado pela fantástica equipa de autores (Bárbara Tavares, Daniela Pinheiro, Isolete Sousa e Ricardo Cruz, com coordenação editorial de Carla Pereira), com a qual já havia tido a sorte de trabalhar na construção do livro do 10° ano, da mesma disciplina.
A intrincada relação entre ilustração e texto, faz com que o resultado final dessa união, seja, na mente do leitor, muito diferente da contemplação das partes em separado. O efeito sugestivo da ilustração, influencia (positivamente, deseja-se), a construção mental que o leitor faz do conteúdo das palavras escritas, à medida que este lê o texto, e, em sentido inverso, o texto confere, na imaginação do leitor, acção e vida aos inanimados bonecos presentes na página, os quais, de outra forma, valendo só por si, ficariam grandemente desprovidos de alma (anima / animação). 
A vida narrativa da ilustração está no texto. A construção que o leitor faz da história é formalmente moldada pela ilustração.
À luz desta ideia, foi então para mim um prazer enorme contribuir para a construção mental que os futuros leitores deste manual (Marca a página 11), farão de uma obra literária escrita por um dos meus autores preferidos.
No momento particular a que alude a ilustração apresentada neste post, ao entrelaçamento físico das personagens, idealizado e descrito por Eça, pude emprestar a minha própria noção de abraço apaixonado, e de sorriso cúmplice e feliz. A acção será desenvolvida e continuada na mente do leitor, por Carlos da Maia e Maria Eduarda, à medida que a narrativa os conduz através da sala das tapeçarias, em direcção ao quarto. Há poucos instantes… ou daqui a um breve momento… Carlos pousará no pescoço de Maria Eduarda um beijo longo e lento, e ela abandonar-se-á mais… e os seus olhos cerrar-se-ão pesados e vencidos…
"Viram" isto acontecer?
Eu sim, claramente.