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Thursday, December 17, 2020


 O homem macaco voltou a lutar consigo próprio…
… voltou a perder…
Perdeu-se novamente na escuridão da caverna atrás de si…
Ignorou novamente a luz da aurora à sua frente.

Hoje… já não precisará de ir ao ginásio.

Wednesday, December 9, 2020

[ Tributo a #Warpaint ]


Chegou o meu balanço anual de reprodução de música no spotify.
A encabeçar a lista de músicas por mim mais ouvidas durante este fatídico 2020, e admito que sem grande surpresa, está esta música:
Billie Holiday da banda Warpaint.
Um pouco em jeito da personagem a que John Cusack veste a pele (com proeminente distinção… diga-se), no fantástico filme Alta Fidelidade (Stephen Frears, 2020, com argumento de Nick Hornby), também eu sofro da maleita obsessiva de construção de playlists. Num grau menos agudo, é certo, mas ainda assim, com uma gravidade tal que o colapso do meu ipod classic de 120GB, foi para mim nada menos que devastador.
Após esse primeiro grande evento destrutivo, no qual vi perderem-se para sempre, horas e horas de fantásticas playlists criteriosamente construídas, sucederam-se várias tentativas de reconstituição desses belos e coerentes alinhamentos musicais, entremeadas com vários episódios de repetido colapso de disco e sistema operativo do famigerado aparelhinho. Ainda hoje, volvidos aproximadamente oito anos guardo a sua embalagem original, vazia, um pouco em ar de urna para cinzas de cremação. 

Acabo de desviar o olhar ligeiramente para a esquerda do meu ecrã, vendo a dita embalagem, perfilada na minha mesa de trabalho…  : (

No meu disco externo existe desde então uma pasta a que chamei "reconstituição de playlists". Nessa pasta guardo religiosamente print screens dos alinhamentos musicais que construí após o "dia do grande colapso". Graças a este nível metodológico foi-me possível replicar recentemente na minha conta de spotify muitas das minhas conjugações sonoras elaboradas para o defunto ipod.

Conheci Warpaint graças a Paula Moura Pinheiro. Os seus "Câmara Clara" (programa de actualidade cultural, na RTP2 de há uma década) costumavam terminar com uma sugestão discográfica. Num determinado programa de 2010, a sugestão foi o bestial "Undertow". Era nada menos que o novo single da banda. Fiquei imediatamente preso ao ecrã, e, no dia seguinte, adquiri o álbum "The fool". 
Ouvir o tema "Undertow" no meu velhinho sistema Audiolab 8000S+8000SX debitando sound bytes para as também velhinhas Monitor Audio Silver 7, é ainda hoje uma experiência incrível… para ser desfrutada em dedicação exclusiva, sentado equidistantemente entre ambos os altifalantes.
… Uau…

Pois então o tema por mim involuntariamente seleccionado para ser o que mais ouvi no ano de 2020, só emerge como tal, devido á sua inclusão em 2 ou 3 dessas minhas playlists, sendo que, uma delas é por mim seleccionada com grande frequência, por constituir uma banda sonora adequada a som de fundo de variados géneros de ocupação.

Este blog já ostenta algures a frase que nele vou re-inscrever seguidamente:

A música é para mim a arte mais perfeita…

Cedo tive esta ideia formada, e bem presente, e, ouvir música é algo que espero poder fazer até ao último dos meus dias… até mesmo à última das minhas expirações.
A forma como a música modela os nosso estados de espírito é para mim um processo transcendental.
Esse processo frequentemente produz resultados muito intensos, e, não nos pede licença antes de proceder às mudanças que em nós opera.
Pode conduzir-nos rapidamente a estados extremos, e, sucessivamente opostos, ou, por outro lado manter-nos muito prolongadamente num registo constante, indutor de uniformidade.

A fiabilidade reactiva com que determinados aglomerados de sons específicos (leia-se músicas) interagem com a nossa individualidade psicológica e biológica, permite-nos construir playlists intencionalmente vocacionadas para isto ou para aquilo… Música para trabalhar, ler, treinar, desenhar, estudar, correr, conduzir, meditar, adormecer, acordar, etc (a lista é grande e será sempre passível de sofrer novos acrescentos).

Na minha perspectiva, nenhuma das restantes artes é tão eficaz, ou seja, tão poderosa e rapidamente capaz, de, com esta versatilidade, comunicar connosco, modelando tão intensamente os nossos estados de espírito.
Durante muito tempo esta foi para mim uma mera constatação, e a sua explicação nunca foi algo que eu procurasse com grande intensidade.
O que hoje acredito ser a fundamentação desta realidade acabou no entanto por dar à costa da minha consciência muito mais tarde, e, trazida serenamente por outras marés que não a da procura dedicada.

Quando acima referi acreditar que a nossa individualidade psicológica e biológica era consistentemente alterada pela sua exposição a certos encadeamentos sonoros, não o disse em sentido poético ou metafórico. 

O facto de os fenómenos vibratórios produzidos pelo som, serem  condicionadores de várias alterações nos nossos estados mentais é uma evidência já amplamente experimentada por todos nós, através da condução a outros estados mentais (alegria, tristeza, euforia, serenidade, contemplação, etc) diferentes daqueles em que nos encontrávamos anteriormente à audição de uma determinada música.

Essa influência é também bem exemplificada pelas vocalização "Om" e seu respectivo efeito na construção de estados meditativos, ou ainda, noutra área, as vocalização associadas a momentos chave de encadeamentos técnicos em várias artes marciais.

Mas as interacções entre fenómenos sonoros e materialidade física são bem menos subjectivas, e os seus resultado bem mais absolutos.

Uma demonstração extrema desta realidade interactiva entre o domínio material dos nossos organismos e  o universo sonoro consiste no grande leque de procedimentos médicos que tiram partido desta interacção, e que vão desde a realização de exames de diagnóstico, à destruição focada de tecido celular vivo (por exemplo determinado tipo de tumores), ou, por exemplo a fragmentação de aglomerados minerais (pedras) alojados nos rins. Estas duas últimas referências são, como é sabido, relativas a intervenções em profundidade, sem dano das camadas orgânicas superiores, e, com objectivos terapêuticos plenamente alcançados através de processos não invasivos.

Outras áreas das ciências da actualidade dedicam-se à exploração das potencialidades de levitação de objectos (actualmente, e por enquanto, ainda de corpos muitos leves como pequenas bolas de esferovite) através da acção coordenada de vários pequenos altifalantes activados em simultâneo.

Outra vertente da interacção entre som e matéria refere-se aos níveis vibratórios de ressonância em certos espaços arquitectónicos. O mais curioso é que essas interacções aparentam ser já conhecidas por várias culturas da antiguidade distante, e o domínio dos parâmetros  em causa na produção desses efeitos, ser já um facto no que diz respeito aos "arquitectos" dessas civilizações. 

Existem no Egipto, espaços arquitectónicos cuja construção é atribuída à cultura do Egipto Dinástico (3000-2650 a.C.), nos quais através de vocalizações de apenas um individuo é possível induzir estados de ressonância de toda a câmara arquitectónica na qual esse indivíduo se encontra. O efeito é impressionante...

O mesmo acontece, por exemplo, no Hypogeu de Malta, um gigantesco complexo arquitectónico escavado na rocha, datado de aprox. 4000 a.C. pela arqueologia convencional. Numa das várias câmaras escavadas, a que a actualidade denominou de "Sala do Oráculo", uma voz humana consegue provocar a ressonância de todo o espaço através de vocalizações com frequências de 114 hz.

Em alguns casos de estudo deste fenómeno com recurso a abordagens científicas, avaliando o efeito dessa interacção vibratória nos visitantes destes espaços, constatou-se o estímulo de certos tipos de actividade cerebral, experienciados pelos indivíduos analisados, como sendo de natureza transcendental, e como tal, propiciadora de experiências intensas de índole espiritual. 

A relevância destas descobertas reforça a afirmação da importância de uma disciplina recente, mas cada vez mais convocada, que se encontra direccionada para o estudo dos vestígios arqueológicos e arquitectónicos da antiguidade, na perspectiva da sua articulação com o som, denominada Arqueoacústica.

A interacção entre som e matéria assume ainda comportamentos muito curiosos, nos domínios da Cimática.

Um material granular tipo areia ou açúcar, se colocado sobre uma placa rígida em forma de disco, sujeita à indução de frequências vibratórias regulares e constantes, produzirá padrões gráficos de carácter geométrico, alguns concêntricos, ou, noutros casos com, por exemplo, dois eixos de simetria. Quanto mais alta for a frequência induzida, mais complexo será o padrão formado. Esses padrões denominam-se cimáticos. Cada  padrão cimático corresponde à assinatura de uma determinada frequência, e a variação do valor hertziano associado à vibração que o produz fará alterar o padrão gráfico, criando um novo desenho.
Curiosamente  encontramos motivos gráficos desta ordem, em representações Sumérias (Mesopotâmia 4000 a 2000a.C.). Existe assim margem, na perspectiva de um posicionamento interpretativo mais abrangente que o da ciência convencional, para considerar a possibilidade de estes grafismos constituírem, por algum motivo ainda desconhecido, referências gráficas a frequências hertzianas específicas.

Existem experiências com resultados fascinantes sobre a exposição de amostras de água a determinados tipos de vocalizações humanas, as quais, posteriormente, em função dos sons a que estiveram expostas apresentam diferenças formais no desenho estrutural da sua forma cristalizada. 

O contacto gradual com estas diferentes realidades veio então a constituir na minha mente, matéria prima para uma digestão interpretativa da nossa relação tão intensa com os fenómenos vibratórios provocados pelo som, e mais concretamente, das causas associadas à nossa especial relação com a Música.
Actualmente acredito que os sons que entram em contacto com toda a matéria, e mais particularmente (no âmbito deste post) com os seres humanos, são potencialmente indutores de alterações, que não apenas ao nível dos estados de espírito moimentâneos, e que a compreensão deste potencial de interacção, constitui a explicação para a nossa devoção musical.
Não é também por acaso que a dança, encarada numa perspectiva abrangente (enquanto expressão corporal motora motivada pela exposição do corpo humano ao som), constitui um fenómeno transcultural e intemporal. Mais do que uma manifestação cultural, a dança, na sua forma mais básica, afigura-se-me como uma reacção orgânica a uma determinada construção vibratória envolvente.
As sensações associadas à dança, referidas como libertadoras, e claramente rotuladas como positivas e benéficas pelas pessoas que gostam de dançar, emanam da entrega racional do seu corpo físico, a uma reacção natural e expontânea, originada pela sua exposição celular à referida construção vibratória.

Envolvido por todos estes aspectos, e profundamente convicto dos enormes benefícios para a nossa saúde psíquica e física, resultantes da audição de construções sonoras harmónicas e organizadas (música), aqui deixo, a título de recomendação terapêutica, a minha sugestão de:

 playlist para as 10 melhores músicas de Warpaint…  ; )

Billie Holiday
Love Is to Die
Drive
Undertow
Feeling Alright
Stars
New Song
The Stall
Baby
Heads Up





Tuesday, November 24, 2020

[ + Natureza morta ]


 

Continuo a dar volta ao acervo do meu espaço de trabalho, constituído por acumulação gradual, sem pressas, ao longo de alguns anos de actividade.
Tenho descoberto umas coisas engraçadas.
De um saco de celofane…
       … que estava dentro de um envelope de papel craft…
                 …que estava numa das divisões de uma estante…
                          … que está encostada à parede anterior do meu atelier…
… recuperei um par de t-shirts que ostentam um boneco meu.
Já não me lembro bem em que âmbito produzi o referido boneco. Sei que o contexto estava de alguma forma relacionado com o Japão e respectivas actividades económicas. Sei também que na altura, embalado pela minha devoção contemplativa em relação às coisas naturais e suas manifestações, decidi ser levemente provocatório, e aludir ao sensível tema da relação deste país com a população mundial de baleias.
Fiz este desenho pouco tempo depois de efectuar uma permuta de ilustrações com o meu amigo Diogo Lopes, camarada de Belas-Artes, na qual cada um de nós produziu um trabalho, posteriormente oferecido ao outro.
A ilustração que fiz para o Diogo, representava um menino debaixo de água, agarrado a uma bola de futebol, rodeado de peixes exóticos, e tinha uma breve "dedicatória" na qual se podia ler: "… algures para os lados de quebra-canela…".  Essa ilustração era baseada em narrativas feitas por este amigo, com acção decorrente nos tempos da sua infância em Cabo-Verde, das quais constavam belas referências a jogos de futebol de praia, lá… nos areais da praia de Quebra-canela.
Creio então que neste processo de produção de boneco para t-shirt, a minha criatividade estaria ainda embebida neste harmonioso chá marinho de crianças com animais sub-aquáticos…

Um jovem rapaz, nascido à beira-mar, e como tal irmanado com as coisas marinhas, após algumas inspirações prolongadas, enche os pulmões de ar, até ao alvéolo mais profundo…
sustém a respiração…
e mergulha muito abaixo da superfície.
Lá em baixo decorre uma forma de interacção… em nada semelhante a perseguição e morte…
jamais conducente à extinção de qualquer das espécies intervenientes.

A perspectiva de interacção harmoniosa com o meio natural é uma urgência.
Era actualmente necessário que este conceito constituísse um pensamento permanentemente presente na nossa consciência, e, constantemente orientador das opções individuais e colectivas, nas mais variadas áreas.
A quantidade de indícios de que esta ideia não habita ainda muitas das consciências individuais, é infelizmente enorme, e insiste em manifestar-se recorrentemente.
Sou um ávido frequentador de recantos naturais pouco visitados. Do alto das serras densas, às barreiras de dunas de praias pouco acessíveis, lá encontro, mais tarde ou mais cedo, em menor ou maior quantidade, as garrafas e os sacos de plástico, os pacotes de batatas fritas, e toda essa parafernália constituinte da assinatura deixada pela passagem humana no meio natural.
Interrogo-me invariavelmente sobre que tipo de mentalidade é esta, dotada de uma sensibilidade tal, capaz de levar o indivíduo a procurar estes locais tão especiais, superando até o seu eventual difícil acesso, mas dotada também de um primarismo compatível com o protagonismo de tais barbaridades.

Uma equipa de cientistas portugueses da universidade de Aveiro revelou há dias um estudo que aponta para um possível aumento da temperatura média no território da península Ibérica, na ordem dos três graus centígrados, a ocorrer até 2100. Em algumas regiões de Portugal, as subidas nas máximas diárias, em determinadas alturas do ano, poderão mesmo atingir os quatro ou cinco graus.

Link para a notícia do jornal PÚBLICO

Os filhos e netos do amanhã vão viver esses dias com especial intensidade, e vão certamente pensar em nós e nas decisões tomadas hoje.

Em Novembro de 2009, tive a sorte de conceber o layout da revista Egoísta dedicada ao tema "natureza".
Como capa da edição idealizei uma ilustração em linguagem vectorial, representando uma composição com alguns animais, articulados construtivamente com elementos vegetais. Tudo era desenhado de forma fria, com traço preto sobre fundo branco.
Tratava-se de uma natureza morta…
Na folha de rosto (primeira página do miolo logo após o verso de capa) coloquei uma enorme sad face tipográfica  : (
Na dupla página seguinte, sobre uma desoladora imagem a preto e branco, exibindo negros troncos "desfolhados", de aspecto queimado, emergentes de um chão de neve branca, coloquei uma faixa negra transversal, em que escrevi… "A natureza ainda não está morta…" (na página da esquerda), "mas já não lhe restam muitos anos de vida : ( " (na página da direita).

Urgente… já há alguns anos… MAS muito brevemente deixará de o ser.

 

Wednesday, October 21, 2020

[ Noite no Museu # 4 ]

 

Esta é uma das ilustrações de que mais gosto no livro do Pavilhão do Conhecimento.
O dinamismo compositivo foi algo que procurei ao longo do trabalho, embora mantendo sempre uma noção do todo que me permitisse manter o equilíbrio visual no conjunto final.
A diversidade de enquadramentos e fórmulas representativas foi fundamental para atingir esse objectivo.
Este foi então um dos pontos em que, perspectiva e composição geral, me permitiram desequilibrar… depois, mais à frente, eu compenso.

Monday, October 19, 2020

[ Noite no Museu #3 ]


 

Mais uma ilustração do "Noite no Museu".
O exacto momento em que o "Top", o cão do Luís, salta para dentro da piscina de bolas, após seguir um rasto olfactivo no encalço de mais uma personagem que a partir daqui se junta ao enredo.
… Em baixo, à esquerda, já é possível ver-lhe a pala do boné azul a espreitar…
Alguém está prestes a ser descoberto…
; )

Monday, September 21, 2020

[ Grace ]


Grace…

… é uma turista americana, convocada involuntariamente para o meu imaginário ilustrado.

Recupero-a de uma fase em que ainda não se sonhava com SARS-COV2. Uma altura na qual, ver uma cara feliz, de aparência estrangeira, à frente de um monumento de referência na cidade de lisboa, não nos causava estranheza. Não nos levava a pensar, ser a criatura louca… ou muito destemida.

Na altura fi-la a título de amostra da linguagem que propunha como solução para um conjunto de ilustrações pedidas por um determinado cliente. 

O seu sorriso tinha sido pensado para preencher uma parede.

Grace acabou por não ganhar estatuto de encomenda final, mas, ficou desde então presente na minha memória afectiva. 

Bizarro…

Admito que desenvolvi simpatia por esta criatura imaginada e tornada visível por mim, representada em visita à minha cidade, "apanhada" num dos seus recantos históricos de que mais gosto.

Creio que na origem desta simpatia unidirecional, e como tal, não correspondida, está a construção mental que fiz em torno de uma figura serena, com quem até seria possível partilhar alguma afinidade de interesses (imagino)… que se desloca a um país desconhecido, e vive durante a estadia, um dia-a-dia de descoberta sensorial, através do deslumbramento permanente com as riquezas culturais da maravilhosa cidade em que se encontra. O tempo de Grace é, naquele momento, de pausa em relação a tudo o que deixou para trás, em casa. O seu sorriso reflecte a liberdade de decidir o que fazer nesse e nos dias seguintes… sabendo que cada minuto tem potencial para ser bom, feliz e bem passado.

Já não é verão. Lisboa é varrida por aquele ventinho fresco matinal. Grace foi apanhada de surpresa e acabou por comprar uma echarpe de seda cor-de-rosa num dos indianos da baixa.

Próxima paragem… Brasileira do chiado para bica e pastel de nata.

Tuesday, August 4, 2020

[ Abecedário ]





Sobre a ilustração do cabeçalho deste blog

Daqui… de onde contemplo esta linha em cima da qual me encontro, só me seria possível ver com alguma clareza e nitidez se me virasse, e olhasse para trás.
A percepção do que se passa na direcção oposta (para a frente), encontra-se obstruída por um volume disforme e em constante mutação…
Descrevê-lo-ia como uma nuvem de espaço-tempo. 
As metamorfoses frequentes dessa massa intangível que tenho à minha frente, não me deixam perceber com clareza o que está para lá… Na tentativa de VER obrigam-me a tentar espreitar pelos vazios deixados pela constante mutação dessa mancha turva, mantendo-me o corpo em desequilíbrio constante numa espécie de funambulismo muito muito experimental.
O considerável balançar lateral da linha, diz-me que devo estar aproximadamente a "M"eio do percurso. É sabido que, a "M"eio, a oscilação é maior.
Nos extremos, a proximidade aos dois grandes pontos de apoio reduz este balanço.
Nestas questões de equilíbrio, recordarei sempre uma lição familiar transmitida oralmente nos percursos escola/casa. Esse caminho era feito ao longo de passeios em calçada portuguesa, delimitados por canteiros de relva verde, frondosa e saudável. A fronteira entre estas duas realidades horizontais era formada por longos troços (traços) de pedra, proeminentes em relação ao plano do chão, alinhados sequencialmente, sem intervalos. Esses módulos de pedra eram estreitos. A sua largura era francamente inferior à de um sapato… mesmo à de um sapato de menino. Essa diferença de larguras proporcionava as condições ideais para testar o equilíbrio do corpo em movimento. Ao longo de revoadas de vários passos, a base instável provocava"descarrilamentos" e recomeços, mas sem o risco de uma queda muito aparatosa.
A tal lição?… "manter o olhar em frente".

A ilustração presente no cabeçalho deste blog é um auto-retrato. Foi concebida há vários anos para um concurso de… auto-retratos ilustrados.
Na tentativa de lhe conferir "valor", quando a idealizei, decidi embebê-la em significado e referências pessoais, que agora, neste dia especial, desta fase especial, deste ano especial, vou segredar para o reduzido leque de leitores deste blog.
O olhar… o meu… é o de quem espreita algo abrangente, mas, através de uma pequena abertura. Essa abertura tem a forma e tamanho das limitações da nossa percepção.
Por trás de mim encontra-se uma área de campo aberto, possivelmente coberta de relva… verde, frondosa e saudável. Essa área de campo aberto é delimitada, ao fundo, por uma linha de choupos adultos, crescidos ao longo de uma ribeira. Sobre toda a extensão deste cenário cai luz solar intensa, tornando brilhantes algumas das resinosas folhas dos choupos, e fazendo as sombras na base destes, ainda mais escuras.
O "som ambiente" desta ilustração (na minha mente as minhas ilustrações têm quase sempre som) é o do vento a abanar as folhas… da erva, dos chopos… fazendo-as colidir rumorosamente com as suas semelhantes mais próximas. Todo este cenário caracteriza uma relação com as "coisas da terra" digna de referência, e tem presença justificada num auto-retrato da minha pessoa.
Em baixo, à esquerda, semi-oculto nos trejeitos da erva, construído com subtileza pelos alinhamentos fortuitos dos desígnios das coisas naturais, está desde sempre presente uma letra. No cabeçalho do meu blog essa letra está ligeiramente tapada… mas presente.
Daqui… de onde contemplo esta linha em cima da qual me encontro… estou no "M" deste alfabeto, e contemplo, desde sempre, um "Z"…
Lição aprendida?





Monday, July 20, 2020

[ Noite no Museu #2 ]



Esta dupla página do livro "Noite no Museu" contextualiza bem o ambiente da aventura. O grupo de personagens é grande (aqui apenas parcialmente representado), e os vários elementos, divididos em grupos focados em tarefas específicas, articulam-se ao longo da estória, em várias interacções que decorrem em simultâneo.
O cenário é fantástico. Os enormes espaços do Pavilhão do Conhecimento são, logo pela sua dimensão, impressionantes, mas por acréscimo, encontram-se repletos de outras características marcantes e diferenciadoras.
Disso são exemplo as enormes paredes de caracteres retro-iluminados que conferem à ampla sala de início do percurso um certo contexto de era espacial. Este padrão luminoso composto por manchas de letras e símbolos recortados nas paredes, constituintes de um intenso ritmo visual, cria ao mesmo tempo uma aura associável a códigos ocultos e mensagens encriptadas.
Apesar de o discurso expositivo do Pavilhão do Conhecimento estar claramente direccionado para um público juvenil, toda esta envolvência constitui um contexto muito estimulante para todo e qualquer visitante, independentemente da sua idade.
Eu que o diga…

Friday, July 10, 2020

[ Noite no Museu #1 ]



Ora aí está ele…
O livro "Noite no Museu" está já disponível na loja do Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa.
Uma edição Ciência Viva/Pavilhão do Conhecimento, com texto de Rosalia Vargas (Presidente da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, e, Directora do Pavilhão do Conhecimento), compondo uma bela estória para a qual tive o prazer de conceber ilustrações.

Durante um período alargado de trabalho muito intensivo, no qual risquei uma grande quantidade de folhas de papel, andei muito entusiasmado, a converter em imagens, as aventuras idealizadas pela Rosalia para este conjunto de personagens – pequenos cientistas aventureiros – que deambula pelos corredores do Pavilhão do Conhecimento, ao longo de uma noite recheada de surpresas.
O grupo é grande e bastante diversificado, incluindo até gato e cão, tendo mesmo este último especial importância no desenrolar da estória.
A minha colega designer Joana Miguéis, acrescentou muitíssimo ao livro, através de um layout formal e cromaticamente muito dinâmico, construído através de um projecto gráfico no qual a sua experiência de mãe dedicada é, certa e visivelmente, uma influência muito relevante.
Esta aventura tem por base um programa real, através do qual, grupos de crianças pernoitam no Pavilhão do Conhecimento, vivendo, antes de dormir, uma aventura repleta de desafios cujo guião tem carácter científico.
Esta iniciativa desenvolve-se na linha programática das orientações pedagógicas do Pavilhão, cujo objectivo consiste em despertar o espírito científico nas mentes e corações dos pequenos visitantes… coisa que faz, devo dizer… com grande sucesso. Foi pelo menos o que senti na visita guiada que me foi concedida no início deste projecto.
Ao visitar o museu, fazendo o percurso por sala após sala, o visitante é estimulado através de ambientes incríveis, palco de sucessivas "surpresas" de carácter científico, em módulos interactivos e/ou expositivos, que reclamam os mais profundos interesse e curiosidade…
A oferta de interactividade passa também por vários workshops desenvolvidos em instalações integralmente pensadas, construídas e equipadas para o efeito, e inclui iniciativas que vão desde a criação química de gelatina pegajosa (com enorme potencial de deslumbramento das crianças frequentadoras desta atividade), até ateliês de mini-robótica e atividades de laboratório.
Imagino que esta experiência de visita desperte muitas vocações científicas nos pequenos futuros adultos que dela desfrutam. Espero mesmo que sim… planeta e respectivas sociedades estão profundamente necessitados de geniozinhos inspirados, que inventem soluções brilhantes para os enormes desafios que se avizinham..
Em posts futuros mostrarei a minha procura por perspectivas, ângulos e abordagens que constituíssem factores de enriquecimento visual e narrativo para esta aventura.


Wednesday, June 17, 2020


Este desenho foi riscado a sangue.
Trata-se da representação parcial de um crânio de borrego, materializada através da utilização de um canal de cobre, de secção reduzida e ponta achatada, riscando e ferindo uma grossa folha de 350 gr de papel de algodão.
A ferramenta tem tanto de original quanto de bizarro, eu sei… foi imaginada e produzida por mim, e a escolha de material foi um pouco condicionada pelos despojos existentes nas gavetas da enorme estante de madeira maciça, âncora transgeracional da cultura familiar, que estava nessa altura fundeada no meu espaço da trabalho. A ideia ocorreu-me quando, necessitado de criar uma forma de fazer o material tingidor do papel (o tal sangue), fluir suavemente à velocidade do arrastamento da mão pela superfície a tingir (o tal papel), fui claramente inspirado na dinâmica através da qual funciona a escrita com penas de aparo. Em termos operativos resultou bastante bem.
Permitiu-me realizar uma série de desenhos reunidos numa exposição a que chamei "Natureza Morta" (a relação do título com os referentes e técnicas utilizadas parece-me dispensar explicação).
Essa exposição foi o culminar de um percurso iniciado nas aulas de desenho de Belas Artes, através da representação em grande formato de ossos de cavalo, couves portuguesas, etc., obtidos em deslocações frequentes ao mercado da ribeira, e com arranque acompanhado/orientado, para minha grande sorte, pela nossa excepcional professora de Desenho de segundo ano, Luísa Arruda.
Na altura em que finalizei este conjunto de trabalhos, a escolha de trabalhar com sangue, estando eu a desenhar elementos orgânicos, e sendo o próprio sangue uma matéria-prima cromática também ela orgânica, pareceu-me de enorme coerência conceptual.
Por outro lado tratava-se de recuperar o recurso a um pigmento já amplamente usado numa determinada fase da história (também ela totalmente orgânica).
Tudo isto era mentalmente bem digerido em regulares passeios de dois dias à Serra de Sintra… serra essa também muito orgânica : D
Saltando agora para um períudo mais recente, mas não abandonando a temática…
Sobre sangue há algo mais que tenho a dizer.
Há 235 dias, num post deste blog cujo contexto era o da práctica do barbear tradicional, iniciada aliás na manhã seguinte a esse post, e não mais abandonada, deixei no ar estagnado deste repositório de publicações uma questão pendente… Volto a enunciá-la:

(…)
"Resta saber se dos inúmeros cortes que irão certamente aparecer no rosto deste ilustrador,
jorrará sangue vermelho, ou… tinta preta.
"

Pois, dos cortes feitos na pele do meu rosto ao longo de todos estes dias de barbear tradicional, tem de facto brotado um fluído negro… se é sangue ou tinta não sei. Como está bem patente no texto deste post o potencial pictórico desse fluido é ENORME… Torna-se assim difícil rotulá-lo.
Uma coisa é certa… trata-se garantidamente de uma orgulhosa herança de minha trisavó Jacinta Vieira Lorta, que o desencontro geracional já não me deixou conhecer neste plano de existência – fica para depois trisavó ; ) – mas acredito que tal encontro ainda virá a acontecer.
O barbear tradicional, esse, está na minha vida para ficar. O objectivo principal que me levou a adoptá-lo, de carácter ecológico e de sustentabilidade, foi claramente atingido.
Já os cortes são cada vez menores e mais raros…
A experiência acumulada tem destas coisas.

Wednesday, April 8, 2020

[ Reial Acadèmia Catalana… ]


A imagem não reproduz uma ilustração. 
Trata-se de um desenho concebido como um fim em si mesmo… caneta preta sobre papel Fabriano (50% cotton) de 300 gr, formato 700 * 700mm
(… No photoshop here…).
Estas folhas… grossas e levemente texturadas, são enormes áreas de papel que pedem ruidosamente para serem desenhadas… Uau!
Este exemplar, em termos de referente e técnica, encaixa numa colecção que produzi com o objectivo de explorar amplamente esta técnica de traçado abundante, importada directamente de algum do meu trabalho de ilustração.
Mas, este concreto exemplar foi gerado num contexto especial. Foi desenhado para ir a concurso à Reial Acadèmia Catalana de Belles Arts de Sant Jordi.
O facto de, na altura, eu estar a trabalhar na série que já referi, havia já resolvido dois grandes problemas: o que desenhar (tema geral), e, que técnica utilizar para o fazer… Tratou-se "apenas" de produzir mais um elemento do conjunto já em desenvolvimento.
Para esta composição procurei um jogo de luz dramático (comum a toda a série), e, uma articulação de planos que me permitisse explorar um elaborado jogo de gradações lumínicas e texturas riscadas.
Em cima da cómoda representada num ângulo picado, e abundantemente iluminada pelo candeeiro presente em primeiro plano, coloquei um livro aberto… o livro de Algebra de meu avô. 
Trata-se de um livro pequeno, forrado a papel com impressão tipo "padrão de pele de bicho", que no verso de capa tem o seu nome muito bem desenhado com letra de criança aplicada, junto com a referência "n° 19 da 5ª A". A folha de rosto encontra-se reproduzida no meu desenho, e em baixo, numa pequena mancha de texto composta em 3 linhas lê-se: "Lisboa / Imprensa Nacional / 1924". A folha de rosto tem ainda um carimbo que o tempo está a tentar consumir, relativo à livraria de Faro onde o pequeno volume terá sido adquirido. Esse fantasma de carimbo não consta do desenho.

A necessidade de enviar "a obra" para longe de casa, através de sucessivas e eventualmente pouco cuidadosas mudanças de meio de transporte, garantindo, ainda assim, que a mesma chegava ao destino em boas condições para me representar em concurso, com moldura e vidro na mais intacta e imaculada forma da sua existência, levou-me a conceber e executar uma elaborada embalagem de transporte. Cartão por fora, seguido de dois paineis de aglomerado consistente nas duas faces correspondentes às frente e verso da moldura, envoltos em película aderente impermeabilizante abraçando o conjunto, seguidos de uma grossa camada de esferovite em todas as faces, esferovite essa que era esculpida interiormente a quente, por forma a receber à justa, a moldura de madeira clara e perfil minimalista. Uma vez introduzido o conteúdo, o conjunto era então fechado com uma tampa que abraçava ainda uma pequena porção de moldura.
Em resumo – uma maravilha da construção artesanal de embalagens…
O desenho foi assim despachado.
Sabê-lo chegado, e em boas condições foi uma grande alegria.
A partir daí tudo estava então em aberto.

Da enorme quantidade de trabalhos recebidos, o júri seleccionaria perto de 230.
Havia larga margem para esperança e optimismo.
Essa selecção iria constituir a exposição desse ano. De entre esses aproximadamente 230 trabalhos escolher-se-iam os 3 premiados.
Se eu achava bastante possível a eventualidade de vir ser escolhido para integrar a exposição geral, já a selecção para os 3 trabalhos premiados anualmente me parecia bastante remota e distante.

O resultado chegou daí a uns dias, por correio…
Após perceber a identificação do remetente,  com emoção e expectativa abri o envelope… A área de texto impresso era pequena… seria a Reial Acadèmia Catalana de Belles Arts de Sant Jordi exímia no minimalismo escrito? Na contenção comunicativa…
Afinal apenas tinham pouco a dizer…
Resumindo o já de si resumido: o meu desenho tinha ficado de fora da abrangente selecção, e apesar da sua "evidente qualidade" iria ser-me devolvido…
Admito que foi um duro golpe, do qual demorei umas horas a recuperar.

Estou contudo certo de que a minha fantástica embalagem arrasou!!! A Catalunha rendeu-se boquiaberta à mestria patente na construção de tal contentor artesanal.
Andarei agora ainda mais atento a todo e qualquer concurso de…    embalagens.
Em matéria de desenho fica aqui no entanto o compromisso assumido perante a Reial Acadèmia Catalana, por escrito, nas linhas deste blog, e ainda para mais em catalão:
… o compromisso de que este modesto desenhador…

Vaig continuar practicant

Thursday, January 16, 2020

[ Livros escolares _ Raíz editora ]


Ilustração para Gramática Prática de Português da Raiz Editora (antiga Lisboa Editora).
Este boneco documenta mais uma agradável passagem pelo universo dos livros escolares. Ilustrações simples, de descodificação rápida, para as quais procuro perspectivas enriquecedoras e ângulos diferentes, e nas quais a articulação com os fundos brancos, predominantes, representa um desafio acrescido do qual eu gosto muito. Estes espaços brancos são aliás, para mim, como portais temporais da minha relação com a ilustração…
Quando estou a conceber estas ilustrações lembro-me sempre dos tempos em que era eu a estar do lado de lá do livro. Já nessa altura os espaços em branco existentes no zigue-zague dos conteúdos gráficos presentes nas páginas dos livros escolares chamavam por mim como sereias nos mares de Ulisses. Eu não hesitava, atirando-me de cabeça, borda fora da narrativa das aulas… caindo dentro dos mares azuis de elaborados desenhos a esferográfica BIC cristal… azul pois claro.
Infelizmente, toda essa bonecada de nada me serviu nas avaliações de matemática.