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Tuesday, November 24, 2020

[ + Natureza morta ]


 

Continuo a dar volta ao acervo do meu espaço de trabalho, constituído por acumulação gradual, sem pressas, ao longo de alguns anos de actividade.
Tenho descoberto umas coisas engraçadas.
De um saco de celofane…
       … que estava dentro de um envelope de papel craft…
                 …que estava numa das divisões de uma estante…
                          … que está encostada à parede anterior do meu atelier…
… recuperei um par de t-shirts que ostentam um boneco meu.
Já não me lembro bem em que âmbito produzi o referido boneco. Sei que o contexto estava de alguma forma relacionado com o Japão e respectivas actividades económicas. Sei também que na altura, embalado pela minha devoção contemplativa em relação às coisas naturais e suas manifestações, decidi ser levemente provocatório, e aludir ao sensível tema da relação deste país com a população mundial de baleias.
Fiz este desenho pouco tempo depois de efectuar uma permuta de ilustrações com o meu amigo Diogo Lopes, camarada de Belas-Artes, na qual cada um de nós produziu um trabalho, posteriormente oferecido ao outro.
A ilustração que fiz para o Diogo, representava um menino debaixo de água, agarrado a uma bola de futebol, rodeado de peixes exóticos, e tinha uma breve "dedicatória" na qual se podia ler: "… algures para os lados de quebra-canela…".  Essa ilustração era baseada em narrativas feitas por este amigo, com acção decorrente nos tempos da sua infância em Cabo-Verde, das quais constavam belas referências a jogos de futebol de praia, lá… nos areais da praia de Quebra-canela.
Creio então que neste processo de produção de boneco para t-shirt, a minha criatividade estaria ainda embebida neste harmonioso chá marinho de crianças com animais sub-aquáticos…

Um jovem rapaz, nascido à beira-mar, e como tal irmanado com as coisas marinhas, após algumas inspirações prolongadas, enche os pulmões de ar, até ao alvéolo mais profundo…
sustém a respiração…
e mergulha muito abaixo da superfície.
Lá em baixo decorre uma forma de interacção… em nada semelhante a perseguição e morte…
jamais conducente à extinção de qualquer das espécies intervenientes.

A perspectiva de interacção harmoniosa com o meio natural é uma urgência.
Era actualmente necessário que este conceito constituísse um pensamento permanentemente presente na nossa consciência, e, constantemente orientador das opções individuais e colectivas, nas mais variadas áreas.
A quantidade de indícios de que esta ideia não habita ainda muitas das consciências individuais, é infelizmente enorme, e insiste em manifestar-se recorrentemente.
Sou um ávido frequentador de recantos naturais pouco visitados. Do alto das serras densas, às barreiras de dunas de praias pouco acessíveis, lá encontro, mais tarde ou mais cedo, em menor ou maior quantidade, as garrafas e os sacos de plástico, os pacotes de batatas fritas, e toda essa parafernália constituinte da assinatura deixada pela passagem humana no meio natural.
Interrogo-me invariavelmente sobre que tipo de mentalidade é esta, dotada de uma sensibilidade tal, capaz de levar o indivíduo a procurar estes locais tão especiais, superando até o seu eventual difícil acesso, mas dotada também de um primarismo compatível com o protagonismo de tais barbaridades.

Uma equipa de cientistas portugueses da universidade de Aveiro revelou há dias um estudo que aponta para um possível aumento da temperatura média no território da península Ibérica, na ordem dos três graus centígrados, a ocorrer até 2100. Em algumas regiões de Portugal, as subidas nas máximas diárias, em determinadas alturas do ano, poderão mesmo atingir os quatro ou cinco graus.

Link para a notícia do jornal PÚBLICO

Os filhos e netos do amanhã vão viver esses dias com especial intensidade, e vão certamente pensar em nós e nas decisões tomadas hoje.

Em Novembro de 2009, tive a sorte de conceber o layout da revista Egoísta dedicada ao tema "natureza".
Como capa da edição idealizei uma ilustração em linguagem vectorial, representando uma composição com alguns animais, articulados construtivamente com elementos vegetais. Tudo era desenhado de forma fria, com traço preto sobre fundo branco.
Tratava-se de uma natureza morta…
Na folha de rosto (primeira página do miolo logo após o verso de capa) coloquei uma enorme sad face tipográfica  : (
Na dupla página seguinte, sobre uma desoladora imagem a preto e branco, exibindo negros troncos "desfolhados", de aspecto queimado, emergentes de um chão de neve branca, coloquei uma faixa negra transversal, em que escrevi… "A natureza ainda não está morta…" (na página da esquerda), "mas já não lhe restam muitos anos de vida : ( " (na página da direita).

Urgente… já há alguns anos… MAS muito brevemente deixará de o ser.

 

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