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Wednesday, January 31, 2024

[ Sísifo ]


POST SOUNDTRACK

Bird’s Teardrops || Estas Tonne feat. Peia || Ashland, Oregon 2018

 

Carregar uma carga pesadíssima, encosta acima. 
Querer desistir, e não poder. 
Ter como única opção, continuar… mesmo que, no horizonte do tempo se perspective apenas a exaustão, e a provável falência física do organismo. 
A história de Sísifo é essa, sendo que, a cada vez que o topo é alcançado, novamente a carga cede ao chamamento gritante da gravidade, e rola, encosta abaixo. Nada menos que uma tragédia para  um carregador já esgotado.
A ideia do recomeço do esforço previamente condenado ao fracasso, da repetição do ciclo, é devastadora.
Na história da humanidade, a repetição de avanços e recuos parece ser uma constante.
A sucessão de eventos bélicos configura uma onda de ciclo curto, à qual parecemos não conseguir fugir. 
Não passamos muito tempo sem as malditas guerras.
Quando parece que, enquanto espécie, encerrámos esse capítulo e estamos finalmente em ascensão a um novo patamar verdadeiramente civilizado, a carga que transportávamos encosta acima, cede também ao chamamento gritante da gravidade. 
Cá vamos, novamente…
.
Interrogo-me se não haverá também uma onda de ciclo longo… MUITO longo… 
Essa onda teria potencial para fazer desaparecer totalmente da face do planeta, a nossa memória civilizacional.
Não digo que nesse dilúvio, fosse eliminada a totalidade da nossa espécie. Apenas a memória colectiva do estado evolutivo máximo a que chegámos em cada inflexão da vaga.
Recomeçaríamos novamente, evoluindo do zero, Homens e Mulheres Sapiens, criando o fogo a partir da fricção de paus, MAS… rodeados de magníficos monumentos, herdados de um passado que não conseguíamos caracterizar, e inexplicáveis pelo nosso percurso conhecido.
Por mais uns milénios… empurrando a carga, nova e penosamente, encosta acima.
Como terá corrido a subida anterior? Teremos “também” falhado na solução para o colapso climático? Teremos “também” falhado na contenção e reversão da auto-infligida ameaça nuclear?


Friday, January 26, 2024

[ Leguminarium #3 ]


 

A COUVE

Na publicação deste blog relativa ao início da colecção a que chamei Leguminarium, a qual estou a desenvolver para a Maria Cidrão Delicatessen, caracterizei o carácter primordial da relação entre referentes orgânicos vegetais e o meu despertar para as potencialidades do desenho artístico.
Nesse texto referi a relevância dos trabalhos que fiz em torno das folhas e nervuras de uma couve portuguesa, na cadeira de DESENHO I, em Belas Artes.
O fascínio visual inspirado por essas formas permanece, e o contentamento com o resultado desses trabalhos iniciais trouxe-me por muito tempo com vontade de regressar ao tema, e de retomar a a exploração das suas possibilidades.
Na visita ao espaço museológico da Sagrada Família, em Barcelona, fiquei maravilhado com a maquete invertida que Antony Gaudi fez do seu projecto da futura catedral, na qual estudava e testava a geometria das linhas de força através de uma intrincada teia de pesos suspensos por cordéis.
No meu referente verde, talos e nervuras desta obra orgânica, são como essa teia de cordéis distribuidores das forças. As curvas e contracurvas das vilosidades das folhas, são como as cúpulas e abóbadas estruturantes na sustentação do peso, resultante do comprimento dos enormes planos de tectos/folhas-verdes.
Os requisitos estruturais destas dinâmicas de forças, dão origem a um desenho carregado de proeminências e depressões formais, repleto de sombras e cavidades obscurecidas.
Tudo isto originou então (na colecção da couve portuguesa), e origina agora (nesta couve lombarda), representações repletas de jogos de luz sombra, que se me afiguram, só por si, visualmente muito ricas.
Da minha estadia em Belas Artes até à actualidade, a experimentação com o uso da cor levou-me a eleger a utilização da cor digital, com a sua, para mim fascinante, total homogeneidade, como recurso cromático exclusivo.
A actual colecção encontra-se embebida nessa conjugação – desenho de alto contraste a preto sobre papel branco, com cor digital adicionada. A linguagem que uso para as minhas ilustrações.
A minha catedral de bio engenharia orgânica é então avivada com a aplicação de mantos cromáticos homogéneos, divididos em territórios bem delimitados de nuances autónomas de verde, nos quais sombras e brilhos aprofundam e afloram formas elaboradas.
A totalidade dos trabalhos estará visível no meu blog geminado, aqui ao lado (prazeressaias.blogspot.com), dedicado ao trabalho de desenho-como-um-fim, com informação de medidas, e noção de escala.
Para a divulgação deste trabalho em algumas plataformas, criei uma animação.
Dediquei-me novamente à composição de uma faixa musical para essa animação, e mais uma vez constato que essa fase do processo produz em mim o mesmo entusiasmo que encontro na composição do desenho.
Satisfação dupla e gratidão múltipla.
E agora… é hora de fazer a sopa.

Friday, January 19, 2024

[ Egoísta 76 _ Cartas para a Liberdade | 50 anos do 25 de Abril ]

 


A mais recente edição da Egoísta já anda por aí.

O tema deste número 76 é “Cartas para a Liberdade. 50 anos do 25 de Abril”

No arranque do trabalho de construção de uma qualquer edição com estrutura de livro (capa + miolo), um dos territórios pelos quais a minha mente começa de imediato a passarinhar, é, obviamente, o da capa. 

A tradução gráfica do conceito contido na formulação textual do tema (ou título), consiste num exercício que tem tanto de desafiante, quanto de entusiasmaste.

Neste caso, muito cedo no processo, (logo após a primeira conversa com a editora, Patrícia Reis), comecei a trabalhar mentalmente a ideia de associar a passagem do tempo (50 anos já deixam marcas no mais resistente dos seres vivos), ao mais forte símbolo da revolução que conduziu Portugal aos verdes campos da Liberdade e Democracia – O cravo vermelho.

Ambicionava eu, não só evidenciar claramente a passagem do tempo no dito símbolo, mas, mais do que isso, aludir ao sentido seguido por essa evolução.

Do verdejante campo de promessas viçosas dos primeiros meses da Liberdade recém-adquirida, até ao panorama sociopolítico actual, como haviam a passagem do tempo e as condições envolventes, orientado o crescimento dos cravos libertários. Como havíamos nós, cidadãos floristas, criadores de arranjos amanhados em canos de metralhadora, feito a jardinagem dos nossos canteiros, no decorrer destes 50 anos?

A transição de temáticas de muitas conversas “de café”, das questões inerentes às restrições das vontades do povo de pré-74, e da carência de então no que diz respeito a liberdades, recursos, bens de consumo…, para os temas em voga na sociedade desta última década, na qual a massificação e imediatismo da comunicação e do consumo vieram criar um conjunto de novas preocupações na mente do cidadão comum, não seria certamente alheia à evolução do posicionamento sociopolítico desses cidadãos. 

Com consequência no desenvolvimento das flores da Liberdade, as discussões focam-se agora mais em outros assuntos, que não os da autonomia na decisão do próprio destino, os das fronteiras da cidadania, os dos direitos (nossos e dos outros)… os da eventual ida forçada para a carnificina da guerra.

Com consequência no desenvolvimento das flores da Liberdade, algumas das questões que eram assunto, deixaram de o ser, constituindo-se agora para alguns sectores da sociedade, como uma chatice com a qual não vale a pena consumir o cérebro nem gastar palavras.

O meu processo mental baralhou e analisou então estas variáveis, e aparece com uma sugestão. Foi como consultar o chatGPTRodrigo e ler a solução: 

“O tema da passagem do tempo, enquanto fórmula para elaboração de uma solução gráfica, se considerada no contexto da botânica, e mais concretamente no universo das flores, deverá, dependendo da duração do período em causa, reflectir o desenrolar do ciclo de vida, morte e eventual decomposição do espécime tomado como referente. A introdução do factor de manuseamento humano, e, tendo em conta a perspectiva da preservação do espécime (eventualmente devido ao seu valor simbólico), tem com frequência como desenvolvimento, a promoção da  conservação do mesmo, através de secagem entre as páginas de um livro.”

Maravilha. Após analisar repetidamente a adequação desta solução, o meu entusiasmo com a mesma, mantinha-se inalterado. 

A conjugação da preservação da flor/símbolo com o universo dos livros tornava-a particularmente pertinente à utilização na Egoísta.

A materialização da minha ideia passaria então por uma primeira etapa óbvia: desencantar um molho de cravos vermelhos, algo que resolvi sem dificuldade através de uma visita à florista do bairro.

Era agora proprietário de um viçoso molho de cravos vermelhos, born and raised in… Marrocos. Como…??? 

Pois é… Em plena época de cravos (Agosto), parece que já não é fácil descobrir fornecedores nacionais para esta flor. Este aspecto soou-me a sacrilégio, estando em causa a evocação de um símbolo da conquista da Liberdade em Portugal. Mas, por outro lado… se a maioria das estatuetas de Nossa Senhora de Fátima disponíveis no mercado, são produzidas na China, estaremos então ainda dentro do domínio do aceitável. 

Passemos à secagem…

Algumas pesquisas no grande repositório do conhecimento humano chamado YouTube, tornaram-me rapidamente especialista em secagem de flores. Foi como proceder à conexão “wired pela nuca”, apresentada na série The Matrix, mas com uma velocidade de download ligeiramente mais lenta.

Contudo, as operações e métodos recém-aprendidos, iriam levar-me apenas à obtenção da preservação imaculada de uma flor.

Infelizmente não chegava. 

Infelizmente, por essa via, e com esse resultado, o processo evolutivo a que eu estaria a fazer alusão, teria conduzido as flores da Liberdade, a uma democracia informada, isenta do flagelo da abstenção, imune aos extremismos e à demagogia, em que todo e qualquer cidadão assumiria a sua obrigação de acompanhar os desenvolvimentos políticos do país, e, quando chamado a decidir, estaria habilitado a escolher com lucidez, validade e fundamento.

Infelizmente, por essa via, e com esse resultado, o processo evolutivo a que eu estaria a fazer alusão, teria conduzido a sociedade, a um panorama em que os órgãos de informação seriam sustentados directamente pela procura dessa informação por parte dos cidadãos (mantendo-se assim isentos), cidadãos esses que teriam por sua vez capacidade para poder direccionar uma muito pequena parte do seu rendimento para uma assinatura (por exemplo de um jornal generalista credível), e ainda assim ter comida na mesa, e um tecto ao qual pudessem chamar seu, sabendo que o poderiam manter pelo tempo necessário à criação de descendência, com estabilidade. A qualidade da democracia e a preservação das suas liberdades depende também, directamente, da observação dos mínimos de qualidade de vida dos cidadãos que a compõem.

Mas a realidade actual não é esta.

A minha equação não estava ainda completa.

Voltei então ao ChatGPTRodrigo.

Introduzi as novas variáveis, e a resposta não se fez esperar.

“Nos processos de preservação e mumificação da matéria orgânica, e em particular nos que envolvem processos de secagem por passagem do tempo, existe um factor possuidor de potencial para comprometer de forma catastrófica a totalidade do método – a prevalência de humidade.

O correcto controlo desta variável poderá trazer ao processo aspectos de degradação controlada dos espécimes, de forma a condicionar a sua aparência e integridade. Uma redução da quantidade do sal de natrão poderá ser a via para esse fim.”

Novamente fantástico. Teria obviamente que filtrar da resposta a confusão nas referências e a mistura de contextos (próprias destas ferramentas e resultados por si produzidos), mas… a base estava lá.

Procedi então à adaptação do meu plano. Iria reduzir o grau de absorção do papel em contacto directo com as minhas flores da liberdade, e substituir as páginas do livro (também absorventes), por placas de acrílico em sanduíche (materiais isolantes). No meu modelo experimental esta alteração iria aumentar a humidade no processo de secagem, introduzindo aspectos visíveis de alguma degradação das flores.

Preparado todo este aparato no chão do hall dos quartos, trancámos a casa, e fomos de férias.

Não tendo (infelizmente) a possibilidade de cumprir o prazo de 40 dias prescrito pelos antigos egípcios, nem sequer o de 3 a 4 semanas recomendado no Youtube para a secagem de flores em livros, a coisa teve que se dar em apenas duas semanas.

À chegada, retirados os pesos de cima das placas de acrílico… Removidos os papéis absorventes como se de gazes coladas a feridas purulentas se tratasse… aí estavam as minhas flores semi-secas. 

Em algumas delas o tão desejado… bolor.

Sucesso.

As flores da Liberdade, cujo valor atribuído pelos jardineiros de 1974, seria considerado como precioso e digno de preservação entre as páginas dos seus livros mais importantes, encontram-se por descuido de bonomia, manchadas pelo bolor das más práticas de conservação. 

Para a capa da Egoísta, a construção deveria ser constituída por uma solução visual evidentemente elaborada a nível gráfico, por oposição à simplicidade da utilização de uma fotografia pura e simples do meu ramo de cravos semi secos. 

Na construção da proposta, procedi assim ao isolamento de uma das flores menos afectadas por manchas de bolor, e, em seguida, tratei-a digitalmente para a tornar imediatamente identificável como um cravo seco. A rápida apreensão do conceito por parte do leitor dependia do imediatismo dessa descodificação. Neste primeiro plano, a evidência da elaboração gráfica desenvolve-se através da sobreposição da flor a um fundo homogéneo impresso em Pantone (aplicação integral e homógenea de uma cor determinada com grande excatidão), e da adição de relevo e verniz, limitados à área do cravo.

O primeiro momento de leitura é este.

Num segundo momento, ao abrir a capa, e viajando até ao verso de capa, chega-se então a uma imagem que exibe vários cravos secos, e, em alguns casos, manchados de bolor.

As flores da Liberdade simbolizam valores que nos são preciosos e dos quais não podemos abdicar. Esses valores impõem-se como alvos de preservação para o futuro. Nestes 50 anos conservámos essas flores entre as páginas de um, livro especial… a constituição. Há ainda muito caminho por fazer, enquanto colectivo, e especialmente enquanto cidadãos singulares. Afinal o rumo do colectivo faz-se da soma das sendas individuais.

Mas as manchas estão lá, nas frágeis pétalas e caules das flores da Liberdade.

Como é amplamente sabido, o bolor, sendo constituído por metrópoles de fungos em crescimento constante, se não for energicamente combatido, alastra-se… podendo vencer.

O futuro é por nós desenhado a cada dia que passa. Veremos como corre.




Wednesday, December 27, 2023

Tuesday, December 5, 2023

[ Carta a Israel ]

 


… como é estranha esta parte do mundo, três vezes santa.

Para um visitante externo às “civilizações” terrestres, pareceria ser este, certamente, um local agraciado com bênçãos em triplicado…

Pareceria certamente que, dos enormes excertos comuns a estas três narrativas, poderia apenas emanar grande entendimento e compreensão… mãos dadas para o futuro.

Puro engano… O homem-macaco dá aqui especiais largas ao seu gosto por sangue dos seus irmãos, e ali gosta de colhê-lo em taças de cacos colados… apanhados nos escombros.

Há coisa de 25 ou 30 anos, dirigi uma carta ao embaixador de Israel em Portugal.

Missiva à moda antiga, circulando em papel assinado à mão e despachada em envelope selado.

As linhas que lhe dirigi espraiavam a minha perplexidade com o desempenho das tropas israelitas nos postos de controlo de acesso à Faixa de Gaza.

Tinha eu assistido a um documentário da BBC, sobre a actividade diária nos referidos postos de controlo.

A entrada ou saída da faixa de Gaza era gerida pelos soldados israelitas, através de apertados controlos nestes checkpoints de acesso.

Do grande número de pessoas que diariamente procurava percorrer a passagem entre estes dois mundos, a larga maioria era (e ainda hoje será) palestiniana, claro. Essa maioria tenta fazer esse percurso essencialmente por motivos de trabalho ou familiares.

O passo lento e as inúmeras paragens prolongadas são justificados pelo desenrolar dos vários procedimentos de segurança, dos quais os soldados comtroladores conpreensivelmente não abdicam. Verificação de documentos, perguntas sobre a natureza da deslocação pretendida, ou sobre as relações com as pessoas com as quais o pretendente se vai encontrar.

Até aqui tudo é fácil de perceber.

O tema assume contornos revoltantes quando se revela a postura e o tom adoptado pelos jovens soldados, perante os alvos diários do seu controlo.

Foi esse o móbil da minha carta. 

Na minha leitura das imagens exibidas, era tão imprópria e desadequada a atitude ostentada pelos soldados israelitas que não pude deixar de a associar à imaturidade da sua visível tenra idade, muito embora estivesse também, e principalmente, ligada a uma evidente deficiência na sua formação moral enquanto meros cidadãos.

No texto que elaborei, a dada altura, referi que o comportamento exibido pelos jovens soldados me recordava os episódios em que eu, enquanto criança, era esporadicamente abordado, nos meus percursos casa-escola/escola-casa, por pequenos gangs de crianças e/ou adolescentes (visivelmente pertencentes a franjas desfavorecidas da sociedade), empoderados pelo número de elementos que compunham esses grupos. Vagueavam pelas ruas da cidade, usando o tal poder dos números, para esmagar o ego e, esvair de amor próprio as crianças e/ou adolescentes tresmalhados com os quais se cruzavam, através do roubo, da injúria, da humilhação, ou da pura e simples agressão física.

Era essa postura que eu reconhecia na forma como os (demasiado) jovens soldados israelitas abordavam, questionavam e inspecionavam homens e mulheres, novos e velhos, cidadãos palestinianos, que tentavam atravessar os postos de controlo da Faixa de Gaza de então.

Pus-me no lugar dessa gente. Imaginei a minha mãe ou uma irmã, ou um dos meus avós, a serem tratados assim, diariamente, à minha frente, pelos imaturos, irresponsáveis e impreparados representantes de um estado opressor.

Escrevi então ao Embaixador de Israel em Portugal, expressando o meu choque com a situação que acabava de conhecer, dizendo que me parecia evidente a responsabilidade dessa imaturidade e falta de formação moral, aparentemente orientadora destas interacções, na criação e desenvolvimento de um sentimento descontrolado de revolta, e na geração de emoções que uma vez surgidas na alma de quem já nada tem a perder, facilmente poderiam ser direccionadas para acções negativas e profundamente condenáveis (estava eu longe de imaginar situaçãoes extremas como as que ocorreram dia 7 de Outubro passado).

Desde a minha carta, a qual possivelmente nem chegou às mãos do seu destinatário final, quantas almas boas terão, por estes e outros mecanismos ainda mais violentes e injustos, atravessado a fronteira da bondade, abandonando esse território sem retorno?

Na resposta israelita aos horrores de 7 de Outubro de 2023, as suas acções militares já custaram a vida a milhares de civis palestinianos, através de abordagens bélicas que parecem não ter em conta o valor real desse custo, e a desproporção para o resultado obtido. O seu carácter repetitivo parece indiciar apenas uma coisa – o mais profundo desprezo pelo valor de cada vida que compõe o povo palestiniano.

Segundo notícia do jornal Público de 3 de Dezembro: 

“Os números são de uma dimensão esmagadora: mais de 15 mil mortos (incluindo 6000 crianças e 4000 mulheres); 6000 bombas largadas só durante os cinco primeiros dias da guerra (com um peso de cerca de 4000 toneladas); 15 mil alvos atacados nos primeiros 35 dias”. 

(Excerto da notícia do Jornal Público, edição online de 03 de Dezembro 2023, por Sofia Lorena, com actualização às 21h12). 


Israel pretende eliminar rapidamente os perpetradores dos terríveis ataques terroristas ocorridos a 7 de Outubro. 

No contexto destas acções, interrogo-me sobre quantos novos futuros terroristas terá já Israel feito nascer…


Passados todos estes anos a minha carta continua sem resposta.

Tuesday, August 8, 2023

[ Sabemos de onde partimos… não sonhamos onde iremos chegar. ]


Post SOUNDTRACK
https://www.youtube.com/watch?v=TEaD9QM3g_Q&list=OLAK5uy_m79Ya00-LlerD1fhNXHdo3aAvX5NL_vYg&index=10


Sabemos de onde partimos, temos ideia da direcção que tomámos, não sonhamos onde iremos chegar.

No ano da graça dos Senhor de 2023, a união europeia prevê atingir a neutralidade carbónica daí a 27 anos.

No ano da graça dos Senhor de 2023, por alturas de Junho, bateram-se recordes históricos de temperatura média global. 


– 17°C.–


Não parece muito, mas se considerarmos que este valor resulta da média de leituras extremas registadas no planeta, incluindo os valores mais frios (gelos polares), e os valores mais quentes (desertos mais tórridos), a perspectiva é já outra. 

A 21 de julho já era possível afirmar que “Julho de 2023 será provavelmente o mês mais quente do mundo em "centenas, se não milhares, de anos", afirmou o climatologista, citado pela agência AFP.” (Caos climático marca o mês de Julho na Terra. Os avisos da NASA e de outros cientistas) 

https://www.publico.pt/2023/07/21/azul/noticia/caos-climatico-marca-mes-julho-terra-avisos-nasa-cientistas-2057671 )

O início de Agosto trouxe a confirmação.

Julho foi de facto, a nível global, o mês mais quente de que há registo, tendo sido batidos recordes de temperatura do ar e da água à superfície do oceano.

https://www.publico.pt/2023/08/08/azul/noticia/nao-ha-memoria-mes-tao-quente-julho-2023-2059512

Se ainda havia a ilusão de que era possível manter o aumento da temperatura média global abaixo do patamar de 1.5 graus a mais do que na época da revolução industrial, essa ideia acaba de se esfumar na mente dos otimistas.

Agora os olhos estão postos no patamar dos dois graus. Queremos manter-nos abaixo dele, mas o pessimismo é crescente, embora ainda silencioso.

A realidade encarregar-se-á de nos mostrar onde iremos aterrar. Será muito provavelmente numa existência sem corais nos oceanos, sem ursos polares no ártico (apenas nos zoos e nos bancos de preservação de ADN), sem tantas espécies que se pensavam indissociáveis da nossa ideia de planeta terra. Não existe no entanto uma ilustração definida das consequências que essas alterações representarão para nós humanos.

Até que ponto conseguiremos destruir o nosso ecossistema, e, ainda assim, sobreviver? O desafio implícito nesta pergunta tem tanto de impossível, como de ridículo.

O ritmo de aceleração das alterações do clima é bem mais acentuado que o ritmo da agenda do combate humano às mesmas.

A lógica do plano de combate parece-me ferida de morte.

A pequena fatia do globo que se encontra na vanguarda social e tecnológica, diagnostica e monitoriza a evolução do problema das alterações climáticas e da sustentabilidade da vida na terra, emitindo consequentemente alertas globais sobre a questão. A esperança desta minoria é a de que as restantes fatias deste bolo de humanidade, a oiçam, e ajam de acordo com as exigências de salvação do planeta.

Acabe-se com as centrais eléctricas de queima (carvão, diesel ou biomassa), não se construam sequer as centrais eléctricas nucleares, converta-se as frotas circulantes (aéreas, navais, rodoviárias) para eléctricas, alterem-se os padrões culturais das comunidades no sentido de reduzir o ritmo de crescimento da população, a qual, deverá simultaneamente, reciclar, e, consumir dando primazia a preocupações de sustentabilidade e ciclo de vida dos bens consumidos (independentemente do reflexo dessas preocupações no preço final a pagar). Modere-se também a voracidade consumista sem fundamento na necessidade real, bem como o expansionismo urbano sempre a par da degradação das áreas selvagens e de contexto natural.

Em resumo… aprendam com os nossos erros (da vanguarda civilizacional), bem documentados na nossa história, e evitem replicar/agravar os problemas por nós primeiramente criados e posteriormente ampliados, sob pena de virem, pela vossa dimensão e número, precipitar a impossibilidade irreversível de vida neste planeta, para todos nós… para os nossos adorados filhos.

Creio então ser esta a ferida que provocará a septicemia do plano de salvação do mundo.

Nós…, vós…, eles…


Em posts anteriores deste blog de ilustração, este ilustrador, referiu já em textos de carácter ilustrativo, tecidos em torno das suas ilustrações, a convicção de que a solução para boa parte dos problemas mais relevantes do mundo, implica uma ablação da lógica do cada um por si dentro das suas fronteiras.

O problema da auto-induzida ameaça do caos climático à vida neste planeta, não é excepção. É mesmo um dos principais problemas a exigir soluções unificadas. O caminho que actualmente trilhamos, no qual os vários países analisam, decidem, e agem (ou não), por conta própria, e ao seu ritmo, está a levar-nos rapidamente para a cremação em vida.

Ao contrário de outras ameaças, esta exige acção imediata.

Por exemplo, no caso da auto-induzida ameaça nuclear, o posicionamento é diferente. Basta manter a serenidade, não assumir posturas agressivas no panorama geopolítico, e não carregar no botão. Se todos fizerem isto, a vida continua.

No caso da questão climática o problema é que a própria continuação da nossa vida dita “normal”, através do adiamento diário das alterações aos nossos hábitos, vai ser a causa da irreversibilidade da crise. Não basta não fazer nada.

Creio que este desafio é o derradeiro teste à nossa humanidade (encarada no sentido do olhar compreensivo e inclusivo para com o outro).

Creio que teremos que assumir, embora à força, “a generosidade como causa”.

O cerne da actual crise é essencialmente uma questão científica e tecnológica.

É necessário desenvolver tecnologia de suporte às várias vertentes operativas da existência humana, sem com isso comprometer a integridade dos ecossistemas.

É necessário produzir alimentos, energia, e bens de consumo, sem com isso precipitar a degradação não renovável dos recursos.

Este problema é essencialmente tecnológico.

Mas, uma vez desenvolvidas as soluções que permitam a sustentabilidade de um determinado novo modo de vida, será fundamental fazê-las chegar a todos.

De nada adiantará à reduzida esfera dos países mais desenvolvidos, a detenção de uma grande quantidade de patentes de ideias com potencial para salvar o mundo, se a grande esfera dos países menos desenvolvidos tiver que pagar fortunas para implementar essas mesmas ideias.

O objectivo supremo do lucro, o qual até aqui tem gerido (naturalmente e compreensivelmente), o desenvolvimento das boas ideias, tem que, neste caso, ser invertido.

O interesse global da sobrevivência e a habitabilidade do planeta não são compatíveis com os interesses corporativos do lucro, geridos pelos parâmetros do capitalismo tradicional. Vai ser necessária uma espécie de socialismo climático internacional.

Os países detentores de tecnologia da sustentabilidade, se quiserem que os seus filhos tenham futuro, terão forçosamente que partilhar essa tecnologia a preços acessíveis (ou até em alguns casos oferecer), com os países que não a possuem, nem têm condições de a desenvolver.

Mas creio que esta lógica não terá que se aplicar só entre nações.

Se na administração interna de cada país, a conversão tecnológica para os recursos técnicos que promovem a sustentabilidade, tiver que ser feita à custa, apenas, da capacidade financeira dos agentes económicos, e sendo orientada por critérios capitalistas tradicionais, essa conversão será evidentemente demasiado lenta, e, garantidamente nunca será completa. 

Por exemplo, se a conversão para veículos elétricos da frota automóvel do tecido empresarial de PMEs,  tiver que ser feita, sem apoios fortes, generalizados e prolongados dos estados, e apenas à custa da disponibilidade financeira dessas empresas, não será certamente uma transição rápida (pelo menos tão rápida como necessário), e muito menos total. 

Também nesta esfera (a da governação interna de cada nação), será fundamental uma lógica de disseminação a custo reduzido das prácticas de exploração, desenvolvimento e implementação das boas ideias para a sustentabilidade.

Sem esta lógica de “dádiva”, a fundamental mudança não acontecerá no tempo necessário.

A nível internacional esta transferência low-cost de tecnologia para a sustentabilidade, se verificada do mundo mais desenvolvido para o menos desenvolvido, afigura-se-me ainda como que tratando-se da colocação de um peso na balança da moralidade histórica, contribuindo para uma redução do enorme desnível, resultante de séculos de prevalência na humanidade, de uma lógica de exploração do mundo (territórios e povos) menos desenvolvido, pelo mundo (territórios e povos) mais desenvolvido. 


Com recurso a esta lógica de “oferta”, a fundamental mudança… também não me parece possível de se dar no tempo necessário.

Mas pelo menos teremos tido visão… e seremos cremados em vida, com a nossa consciência um pouco mais tranquila.