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Sabemos de onde partimos, temos ideia da direcção que tomámos, não sonhamos onde iremos chegar.
No ano da graça dos Senhor de 2023, a união europeia prevê atingir a neutralidade carbónica daí a 27 anos.
No ano da graça dos Senhor de 2023, por alturas de Junho, bateram-se recordes históricos de temperatura média global.
– 17°C.–
Não parece muito, mas se considerarmos que este valor resulta da média de leituras extremas registadas no planeta, incluindo os valores mais frios (gelos polares), e os valores mais quentes (desertos mais tórridos), a perspectiva é já outra.
A 21 de julho já era possível afirmar que “Julho de 2023 será provavelmente o mês mais quente do mundo em "centenas, se não milhares, de anos", afirmou o climatologista, citado pela agência AFP.” (Caos climático marca o mês de Julho na Terra. Os avisos da NASA e de outros cientistas)
O início de Agosto trouxe a confirmação.
Julho foi de facto, a nível global, o mês mais quente de que há registo, tendo sido batidos recordes de temperatura do ar e da água à superfície do oceano.
https://www.publico.pt/2023/08/08/azul/noticia/nao-ha-memoria-mes-tao-quente-julho-2023-2059512
Se ainda havia a ilusão de que era possível manter o aumento da temperatura média global abaixo do patamar de 1.5 graus a mais do que na época da revolução industrial, essa ideia acaba de se esfumar na mente dos otimistas.
Agora os olhos estão postos no patamar dos dois graus. Queremos manter-nos abaixo dele, mas o pessimismo é crescente, embora ainda silencioso.
A realidade encarregar-se-á de nos mostrar onde iremos aterrar. Será muito provavelmente numa existência sem corais nos oceanos, sem ursos polares no ártico (apenas nos zoos e nos bancos de preservação de ADN), sem tantas espécies que se pensavam indissociáveis da nossa ideia de planeta terra. Não existe no entanto uma ilustração definida das consequências que essas alterações representarão para nós humanos.
Até que ponto conseguiremos destruir o nosso ecossistema, e, ainda assim, sobreviver? O desafio implícito nesta pergunta tem tanto de impossível, como de ridículo.
O ritmo de aceleração das alterações do clima é bem mais acentuado que o ritmo da agenda do combate humano às mesmas.
A lógica do plano de combate parece-me ferida de morte.
A pequena fatia do globo que se encontra na vanguarda social e tecnológica, diagnostica e monitoriza a evolução do problema das alterações climáticas e da sustentabilidade da vida na terra, emitindo consequentemente alertas globais sobre a questão. A esperança desta minoria é a de que as restantes fatias deste bolo de humanidade, a oiçam, e ajam de acordo com as exigências de salvação do planeta.
Acabe-se com as centrais eléctricas de queima (carvão, diesel ou biomassa), não se construam sequer as centrais eléctricas nucleares, converta-se as frotas circulantes (aéreas, navais, rodoviárias) para eléctricas, alterem-se os padrões culturais das comunidades no sentido de reduzir o ritmo de crescimento da população, a qual, deverá simultaneamente, reciclar, e, consumir dando primazia a preocupações de sustentabilidade e ciclo de vida dos bens consumidos (independentemente do reflexo dessas preocupações no preço final a pagar). Modere-se também a voracidade consumista sem fundamento na necessidade real, bem como o expansionismo urbano sempre a par da degradação das áreas selvagens e de contexto natural.
Em resumo… aprendam com os nossos erros (da vanguarda civilizacional), bem documentados na nossa história, e evitem replicar/agravar os problemas por nós primeiramente criados e posteriormente ampliados, sob pena de virem, pela vossa dimensão e número, precipitar a impossibilidade irreversível de vida neste planeta, para todos nós… para os nossos adorados filhos.
Creio então ser esta a ferida que provocará a septicemia do plano de salvação do mundo.
Nós…, vós…, eles…
Em posts anteriores deste blog de ilustração, este ilustrador, referiu já em textos de carácter ilustrativo, tecidos em torno das suas ilustrações, a convicção de que a solução para boa parte dos problemas mais relevantes do mundo, implica uma ablação da lógica do cada um por si dentro das suas fronteiras.
O problema da auto-induzida ameaça do caos climático à vida neste planeta, não é excepção. É mesmo um dos principais problemas a exigir soluções unificadas. O caminho que actualmente trilhamos, no qual os vários países analisam, decidem, e agem (ou não), por conta própria, e ao seu ritmo, está a levar-nos rapidamente para a cremação em vida.
Ao contrário de outras ameaças, esta exige acção imediata.
Por exemplo, no caso da auto-induzida ameaça nuclear, o posicionamento é diferente. Basta manter a serenidade, não assumir posturas agressivas no panorama geopolítico, e não carregar no botão. Se todos fizerem isto, a vida continua.
No caso da questão climática o problema é que a própria continuação da nossa vida dita “normal”, através do adiamento diário das alterações aos nossos hábitos, vai ser a causa da irreversibilidade da crise. Não basta não fazer nada.
Creio que este desafio é o derradeiro teste à nossa humanidade (encarada no sentido do olhar compreensivo e inclusivo para com o outro).
Creio que teremos que assumir, embora à força, “a generosidade como causa”.
O cerne da actual crise é essencialmente uma questão científica e tecnológica.
É necessário desenvolver tecnologia de suporte às várias vertentes operativas da existência humana, sem com isso comprometer a integridade dos ecossistemas.
É necessário produzir alimentos, energia, e bens de consumo, sem com isso precipitar a degradação não renovável dos recursos.
Este problema é essencialmente tecnológico.
Mas, uma vez desenvolvidas as soluções que permitam a sustentabilidade de um determinado novo modo de vida, será fundamental fazê-las chegar a todos.
De nada adiantará à reduzida esfera dos países mais desenvolvidos, a detenção de uma grande quantidade de patentes de ideias com potencial para salvar o mundo, se a grande esfera dos países menos desenvolvidos tiver que pagar fortunas para implementar essas mesmas ideias.
O objectivo supremo do lucro, o qual até aqui tem gerido (naturalmente e compreensivelmente), o desenvolvimento das boas ideias, tem que, neste caso, ser invertido.
O interesse global da sobrevivência e a habitabilidade do planeta não são compatíveis com os interesses corporativos do lucro, geridos pelos parâmetros do capitalismo tradicional. Vai ser necessária uma espécie de socialismo climático internacional.
Os países detentores de tecnologia da sustentabilidade, se quiserem que os seus filhos tenham futuro, terão forçosamente que partilhar essa tecnologia a preços acessíveis (ou até em alguns casos oferecer), com os países que não a possuem, nem têm condições de a desenvolver.
Mas creio que esta lógica não terá que se aplicar só entre nações.
Se na administração interna de cada país, a conversão tecnológica para os recursos técnicos que promovem a sustentabilidade, tiver que ser feita à custa, apenas, da capacidade financeira dos agentes económicos, e sendo orientada por critérios capitalistas tradicionais, essa conversão será evidentemente demasiado lenta, e, garantidamente nunca será completa.
Por exemplo, se a conversão para veículos elétricos da frota automóvel do tecido empresarial de PMEs, tiver que ser feita, sem apoios fortes, generalizados e prolongados dos estados, e apenas à custa da disponibilidade financeira dessas empresas, não será certamente uma transição rápida (pelo menos tão rápida como necessário), e muito menos total.
Também nesta esfera (a da governação interna de cada nação), será fundamental uma lógica de disseminação a custo reduzido das prácticas de exploração, desenvolvimento e implementação das boas ideias para a sustentabilidade.
Sem esta lógica de “dádiva”, a fundamental mudança não acontecerá no tempo necessário.
A nível internacional esta transferência low-cost de tecnologia para a sustentabilidade, se verificada do mundo mais desenvolvido para o menos desenvolvido, afigura-se-me ainda como que tratando-se da colocação de um peso na balança da moralidade histórica, contribuindo para uma redução do enorme desnível, resultante de séculos de prevalência na humanidade, de uma lógica de exploração do mundo (territórios e povos) menos desenvolvido, pelo mundo (territórios e povos) mais desenvolvido.
Com recurso a esta lógica de “oferta”, a fundamental mudança… também não me parece possível de se dar no tempo necessário.
Mas pelo menos teremos tido visão… e seremos cremados em vida, com a nossa consciência um pouco mais tranquila.
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