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Wednesday, August 25, 2021

[ Falácia ad populum ]

 


 

POST SOUNDTRACK

https://www.youtube.com/watch?v=YF1eYbfbH5k



Estes dois senhores ilustram, a 4 mãos, uma página do novo manual de Filosofia da Porto Editora, para o 10° ano. O livro tem como título “Em Questão _ 10”, e eu tive o enorme prazer de contribuir para a sua construção com alguns dos meus bonecos.

Estes dois cidadãos fazem um número em conjunto, articulando-se em zonas diferentes da mesma página, e as suas acções completam-se narrativamente.

Proponho que, ao de baixo chamemos visionário iluminado… ao de cima céptico patológico.


Em vários momentos da história da espécie Homem-macaco – a nossa, pois claro – puderam os espectadores desta épica novela com episódios de duração multimilenar, assistir ao desenrolar de dramáticas cenas de ruptura com as ideias então vigentes na acção dos tempos em causa. Essas rupturas foram protagonizadas por algumas personagens visionárias iluminadase, em clara colisão frontal com o papel de algumas personagens cépticas patológicas.

Num primeiro momento, como que em ar de primeiro recurso reactivo, a maioria dos segundos, dirigiu aos primeiros, a tal animação digital, consistente na deslocação de apenas um dedo (o indicador), descrevendo um pequeno círculo com rotação em sentido horário, num movimento ligeiramente afastado da cabeça, ao longo da linha de perímetro de uma das suas próprias têmporas.

maluco, … louco, … tolinho (entre outros possíveis e eventualmente menos cândidos adjectivos).

Em alguns desses casos, a coisa acabou por correr muito mal para os visionários iluminados neles envolvidos.

Quando aconteceu alguns dos cépticos patológicos estarem sentados em tronos de poder – ou por vezes, tão somente rastejarem ao seu redor – desses cadeirões terão chegado a ser proferidas sentenças de morte.

Diz quem estuda estas coisas, que este tipo de reacção extrema de aniquilação do outro que tem ideias diferentes, aponta no sentido da incapacidade estrutural da personalidade de alguns, para conviver com a diferença desses outros, sendo essa incapacidade desenvolvida nas fases primeiras da formação da estrutura moral do indivíduo. Infelizmente, ao longo da história, essa incapacidade de alguns, tem estado presente em demasiados casos bicudos da diversidade humana. 

Assim se explica, evidentemente, o aparecimento de vários …ismos e …fobias.

Se do lado dos cépticos patológicos se encontra a cegueira, a intransigência, e por vezes mesmo o derramamento de sangue, do lado dos visionários iluminados estão, com muita frequência, os grandes progressos morais, sociais, e científicos. Posto assim, é fácil escolher qual dos grupos de seguidores não engrossar.

A frequência com que, ao longo da história conhecida do homem-macaco, esta dualidade antagónica eclodiu, com consequências mais ou menos trágicas consoante a elevação de valores e a lucidez dos intervenientes, permite talvez concluir que este processo fará mesmo parte das características do movimento de progressão da espécie.

Mas uma outra perspectiva parece emanar desta análise… A da fragilidade das certezas.

O objectivo desta linha de raciocínio não é o de advogar a negação permanente das ideologias tidas como materialidade do conhecimento… É sim, a defesa de uma maior disponibilidade para considerar perspectivas alternativas, estruturantes de novas materialidades, eventualmente conducentes a uma maior solidez das áreas de conhecimento a que se referem. 

Frequentemente, estas novas perspectivas implicam a ruptura de todo o tecido teórico e argumentativo das concepções anteriores, mas, imediatamente (ou a mais longo prazo), permitem a subsequente elaboração de uma construção ainda mais forte, e mais abrangente.

Ei-lo então a dar-se… o progresso (a progressão).


É altamente apelativo o conforto da cosmogonia instalada.

Como é incómodo o abanar dos seus alicerces.


A fatia da humanidade que se move na dianteira moral da espécie, já percebeu, contudo, que não pode enforcar ou queimar pessoas na fogueira, ainda para mais por terem meramente ideias diferentes das suas “certezas” (cosmológicas, religiosas, raciais, sexuais, políticas, etc.). Já percebeu também que, não raras vezes, veio a verificar-se que as vítimas dessas tentativas bárbaras de anulação de pensamento, estavam afinal certas na sua argumentação, ou, tão simplesmente, constatou que, independentemente da ideologia defendida pela vítima, estava então nesses momentos, a restante comunidadetotalmente apartada da bendita razão, tendo então esses actos, sido motivados apenas pela mais abjecta intolerância à diferença.

Na verdade, após considerar a história da evolução das ideias estruturantes, a única postura lúcida a adoptar, é a da permanente disponibilidade benevolente para analisar propostas alternativas a tudo e mais alguma coisa… desde que estas estejam devidamente fundamentadas.


Aqui, de onde contemplamos o estado actual do panorama humano, essa evidência é impossível de ignorar.

Na minha qualidade de criador de imagens, proponho-me agora ilustrar brevemente este raciocínio… ainda que com letras em vez de traços.


Do passado chegam ecos que obrigam a reformulações frequentes das certezas históricas actuais. 

Exemplo: Muitos cépticos patológicos sofreram convulsões quando em 1995, Klaus Schmit descobriu Göbekli Tepe, na Turquia, vendo assim fortemente abaladas as "certezas" sobre a pré-história da humanidade, e fazendo recuar em milénios, o início do megalitismo elaborado, e consequentemente, vários aspectos estruturantes das comunidades humanas complexas. 

Que outros alicerces históricos irão ainda abanar ou ruir, quando Sacsayhuaman, Ollantaytambo, Puma Punku, Tiwanaku ou Balbek revelarem os seus segredos? 

Quanto teremos ainda que mudar nas nossas certezas relativas ao passado da humanidade? 

Há claramente que manter a mente aberta.


Considerando agora exemplos vindos do outro extremo da linha temporal.

Escrevo estas linhas muito pouco tempo depois da divulgação do mais recente relatório da IPCC (The Intergovernmental Panel on Climate Change). O futuro climático está a bater-nos à porta… mas… com um martelo pneumático. Aqui, em matéria de abanão a certezas instaladas, não estou a considerar as discussões sobre a existência ou não de uma relação entre as alterações climáticas e a acção humana… Parecem-me assumir uma relevância mais produtiva, as considerações sobre a necessidade de uma nova ordem mundial que encare os graves problemas de certas partes do planeta, como aquilo que verdadeiramente são, ou seja, problemas e desafios de âmbito global, e não apenas local (restritos à localização geográfica da sua origem). Essa concepção tem que ser cega a fronteiras, raças, economias e credos… Acredito que o nacionalismo do futuro terá forçosamente que ser apenas cultural, e que, a fundamental concertação de políticas direccionadas para o interesse e solidariedade globais, irá eventualmente conduzir a humanidade a algo muito próximo do governo comum, com todos os desafios que isso representa, e do qual a União Europeia é um modesto tubo de ensaio.

Mas as oscilações climáticas não são novidade neste planeta, e, como é bem sabido, não pertencem apenas ao nosso futuro. No entanto, as "certezas" sobre os contornos da sua amplitude no passado, parecem carecer de mais definição.

O grande dilúvio, referido por aproximadamente 150 culturas da antiguidade, até aqui mantido com toda a "certeza" no domínio das narrativas mitológicas, poderá brevemente ser decalcado para o registo histórico, pelo fenómeno conhecido por “Younger Dryas”. Parece ser este o evento responsável pelas gigantescas cicatrizes terrestres, associadas às transferências de estado físico de boa parte da água presente no planeta, oscilando entre glaciação e alagamento, e provocando eventos dramáticos como a extinção da megafauna planetária. 

Gigantescas mudanças climáticas operadas em muito pouco tempo… Graças ao relatório da IPCC esta fórmula já não é estranha aos vulgares cidadãos das comunidades humanas da actualidade, não é?


Este texto tornou-se entretanto confuso… No mesmo parágrafo estão já enleadas de forma indissociável, referências ao futuro e ao passado. 
Inicialmente era minha intenção construir um texto bem organizado, compartimentado, distribuindo as temáticas pelo tempo… de forma ordeira… com método.

Mas, como já bem sabemos, o registo histórico é propício a este tipo de novelos. Avanços, retrocessos e realidades que se repetem.

Perdida que está essa coerência, vou então abraçar e aprofundar a confusão, não resistindo a mais um exemplo de um potencial gigantesco abalo a certezas instituídas… desta vez de carácter transversal, no que diz respeito a foco temporal. Este abalo materializa-se no já famoso USS Roosevelt Gimbal vídeo e tem réplicas nas respectivas conclusões daí emanadas. Quantas das nossas certezas sobre passado, presente e futuro estarão aí em risco de ruir?

Cépticos patológicos… buckle up your belts… 

… Esse indicador direito vai ter ainda muito que rodar… Assim haja tempo.

Monday, August 16, 2021

Wednesday, June 16, 2021

Friday, June 11, 2021

[ Noite no Museu _ Primeira noite ]



POST SOUNDTRACK

Sobre a magia de, ainda com a inocência de criança, passar a primeira noite ao lado de alguém que é, para nós, especial. 
Partilhar algo tão reservado como o sono, em pijama… 
Algo que até aí esteve exclusivamente associado ao recanto físico mais resguardado da nossa existência… a nossa cama. 
E ainda… que durante as próximas horas, nada nem ninguém vai quebrar essa proximidade, e que, durante esse período de tempo, não precisamos lutar constantemente para reconquistar a estreiteza dessa distância.
Foi-nos concedida até ao próximo amanhecer…
Oxalá demore a chegar… 

Monday, June 7, 2021

[ Os Judeus casamenteiros ]

 



Os dois judeus ilustrados neste boneco, poderiam ser habitantes da Jerusalém dos tempos modernos, e, com a linguagem corporal representada, mostrarem-se assim abismados com a presença flutuante do OVNI que por volta da 01:00h da madrugada de 28 de Janeiro de 2011, pairou sobre a cúpula do templo existente na formação geológica denominada de, pasme-se, "monte do templo".
Após pairar imóvel por instantes, o objecto elevou-se verticalmente a uma velocidade estonteante, desaparecendo no céu escuro dessa noite.
Existem 5 registos em vídeo desse episódio, com origens diferentes, e estão todos disponíveis na grande plataforma caracterizadora de uma parte considerável daquilo que se pode definir como, legado da humanidade… plataforma essa chamada youtube.
Nenhum desses vídeos foi captado por nenhum destes dois personagens, os quais contemplam então, e apenas, a janela quinhentista de Inês Pereira, situada na rua imaginada pelo brilhante Gil Vicente, para o universo ficcional por si criado, no âmbito da construção da "Farsa de Inês Pereira".
À semelhança de Jerusalém também os caminhos desta narrativa são percorridos por personagens de diferentes credos e origens.
As suas interacções são no entanto bem mais pacíficas do que as observáveis actualmente nas ruas da cidade três vezes santa.
O episódio que referi nas primeiras linhas deste texto, ter-se-á passado num quadrante muito específico dos céus da cidade, e poderá ser interpretado como um atestado de relevância, numa determinada narrativa cosmogónica, e transtemporal.
Mas, não só nos céus de Jerusalém se atesta essa relevância. O subsolo da cidade exibe outro tipo de testemunhos.
A estrutura do "muro das lamentações", coloca-o no conjunto de monumentos do mundo, que ostentam indícios de que a história das civilizações do nosso planeta terá que vir a ser reescrita, em função de uma interpretação mais rigorosa dos vestígios que nesses locais é possível observar.
Num determinado troço da referida edificação encontra-se, embutido na estrutura, um monólito ortogonal, com aproximadamente 13 metros de comprimento x 3,7 metros de altura x 4,3 metros de largura, cujo peso está calculado em… aproximadamente 600 toneladas. Estes valores numéricos são impressionantes, mas, para ajudar a interiorizar a enormidade aqui em causa, poder-se-á dizer que este peso será o equivalente ao de dois aviões Jumbo 747, com passageiros e bagagem a bordo.
Este monstro estrutural encontra-se (como habitualmente nestes locais), articulado com os pedregulhos vizinhos, com precisão milimétrica, e sem recurso a qualquer tipo de cimento ou argamassa de qualquer tipo ("construção seca").
A título de nota refira-se que esta barbaridade não é única no planeta. Não é nem sequer a maior. Na verdade, é conhecida a existência em outras partes do mundo, de monólitos ortogonais talhados com o dobro do peso, e até mais (Balbeque, Líbano – aprox. 1500 toneladas).
Apesar da boa vontade voluntariosa da arqueologia, incansável na tentativa de explicar a produção e manuseamento destes blocos, a engenharia actual tende a deitar por terra todo esse discurso, esmagando-o com o peso dos números envolvidos.
A simples presença deste tipo de módulo edificativo num determinado local, é então suficiente para tornar esse local, digno de referência.
Na cidade 3 vezes santa, essa relevância afirma-se com evidência, embora por outros motivos mais significativos para a história da humanidade, ainda nos dias de hoje, e perante todos nós.
Em muitos desses outros locais, essa relevância esbateu-se, ou diluiu-se mesmo integralmente, e aguarda uma nova revelação que será trazida pelo entendimento de tempos que, infelizmente, ainda parecem distantes no futuro.
Estou convencido de que o futuro trará também uma outra realidade à cidade de Jerusalém. Quando a humanidade aceitar que a solução dos problemas planetários não se compartimenta em fascículos fechados em fronteiras, e as vivências religiosas, se espartilhadas, não conduzirão à máxima amplitude do espírito.
Nessa altura, a tripla santidade de Jerusalém fundamentar-se-á nos pontos de contacto entre religiões, e na relegação das diferenças para segundo plano, ao invés do panorama contrário observável na actualidade. 

Latão e Vidal, os dois personagens judeus, por interesse próprio apresentam a Inês um escudeiro fanfarrão, constituindo-se como ponte na união destas duas almas cristãs. O escudeiro conduzirá depois Inês à infelicidade, e, posteriormente, na guerra, virá este a ser morto por um pastor muçulmano.

Até lá… até esse tal futuro, o caminho parece ainda infelizmente longo, sofrido e sombrio…
… a menos que venhamos a ter uma ajudinha de fora… ; )

Thursday, May 27, 2021

[ O Trovador ]


O “Trovador”, é uma das ilustrações que criei para o novo manual de português, do 10° ano, da Porto Editora. O livro chama-se “Marca a Página”, e a sua construção esteve a cargo da experiente editora Ana Guedes, tendo como autores as professoras Bárbara Tavares, Daniela Pinheiro, Isolete Sousa e o professor Ricardo Cruz.

5 intervenientes com uma generosidade de referência obrigatória, aos quais dirijo, agora neste modestíssimo forúm, mais um sincero agradecimento.

Este desafio foi para mim, como habitualmente, propiciador de momentos de enorme prazer ilustrativo.

Como já referi em posts anteriores, a minha natureza criativa sente-se especialmente desafiada pelas áreas irregulares deixadas em branco no layout das páginas, durante a fase de paginação, destinando-se essas zonas ao preenchimento por ilustrações.

A minha mente entretém-se a adaptar e a sobrepor a essas áreas, bonecos, apresentando posturas exóticas e composições estranhas, na procura activa de conciliar, de forma o mais articulada possível, a realidade narrativa da ilustração com o contexto gráfico da página.

A minha vertente de designer, largamente familiarizado com os desafios da formatação de páginas e layouts com eficácia comunicativa, é, reconheço, uma enorme ajuda para esta tarefa…

Mas, como se verá mais à frente, não é dessa ajuda que quero falar à reduzida, paciente, compreensiva e persistente, pequena audiência deste blog.


Este “Trovador” deixou-me muito contente. 

É das ilustrações de que mais gosto, no conjunto que produzi para o “Marca a página”. Na verdade, deixou-me tão satisfeito, que acabou por dar origem a uma pequena animação, que aprofunda um pouco mais o contexto que a minha mente foi construindo ao idealizar este boneco.



Quem faz o favor de acompanhar a minha produção ilustrativa sabe que, ocasionalmente (sempre que possível e adequado), opto pela incorporação de referências naturais, eventualmente relevantes no panorama das minhas vivências… Este, é um desses casos… ainda para mais, potenciado pela vertente multimédia possibilitada pelo formato vídeo. 


O Trovador está sentado num afloramento rochoso, que foi aproveitado para suportar parte de um muro de uma casa isolada no campo. 

Encontra-se confortavelmente à sombra de uma pequena árvore que, faz muito tempo, despontou e cresceu logo ali ao lado. 

A tarde esteve quente, e à medida que o dia se vai aproximando do fim, a temperatura tornou-se amena… muito agradável. 

O homem está entregue às deambulações dos seus pensamentos, e, 

de olhar posto no infinito, vai dedilhando as cordas do seu Alaúde. 

Essas cordas fazem parte do seu corpo, 

e o som que libertam é um murmúrio da sua alma.


Esta sintonia entre o personagem principal e as coisas da natureza, é observada em primeira fila, por um espectador discreto, posicionado à direita do ecrã, pousado em cima de uma outra pedra.

Trata-se de um melro macho adulto. 

Foi então para a criação desta envolvência natural, na qual se inclui o referido personagem secundário, que contei com algumas ajudas, que aqui passo a  referir…

– Para representação desta ave, contei com o imprescindível desempenho de modelo, de um dos vários melros que vêem diariamente (na verdade várias vezes ao dia) alimentar-se e descansar na nossa varanda. O referido pássaro fez o favor de pousar para mim, paciente, enquanto eu rapidamente lhe captava os traços caracterizadores.

– Contei ainda com a preciosa ajuda da Maria João que, (além da habitual e preciosa assessoria em pareceres ilustrativos), há vários anos iniciou este ritual de alimentação da vida selvagem local, o qual desde então traz à nossa varanda, geração após geração, algumas famílias de melros (entre outros animais), com as quais já desenvolvemos níveis bastante simpáticos de interacção inter-espécies.

– Para o contexto sonoro desta ilustração animada foi também fundamental a ajuda natural de congéneres de melro, e afins, que habitam as áreas verdes das traseiras da nossa casa, e que fizeram o favor de entoar o chilrear harmonioso audível nesta banda sonora.

Sou assim um ilustrador com muita sorte… e com este tipo de ajudas tenho o trabalho muito, muito facilitado.

Manifesto-me grato  ; )



Wednesday, May 19, 2021

[ Medusa ]


POST SOUNDTRACK
https://www.youtube.com/watch?v=7HjaGF5TLNI

 Medusa, filha de Phorcys e Ceto, era uma das três Górgonas…

… havia sido agraciada com uma beleza extasiante…

assim que os olhos de homens ou mulheres contemplavam Medusa, os seus corpos experimentavam um momento de petrificação contemplativa… A beleza de Medusa, nos primeiros instantes em que era contemplada, esvaía por momentos a vida dos corpos que a observavam.

Dos vários aspectos constituintes da sua formosura, um se destacava claramente… O seu deslumbrante cabelo.

Medusa dedicava-lhe cuidados demorados, e isso era evidente. O delicado volume sedoso que emoldurava o seu rosto, deslizando suavemente pelos ombros até meio das suas costas e peito, tinha uma cor definível entre o ruivo e o acastanhado, e a incidência de luz originava invariavelmente, brilhos acobreados e vários matizes de cor… 

Vê-la iluminada pela luz da ala principal do templo, onde passava a maior parte do seu tempo, era nada menos que hipnotizante.


Atena, a deusa… era atormentada por uma inveja obsessiva induzida pela beleza de Medusa, e em particular pelo lindo cabelo desta sua serva.


Diz-se que num certo dia, Poseidon, Senhor dos Mares, ao observar Medusa, sózinha, desempenhando as suas habituais tarefas votivas, terá por ela sentido um desejo incontrolável, e à força, tê-la-á tomado num envolvimento físico contrário à vontade desta.


Atena, apesar de não estar corpóreamente no local nesse momento… era um espírito omnipresente no seu templo. Ela sabia de tudo.

Viu então no desrespeito devocional dos actos ocorridos em tão sagrado espaço, o motivo para finalmente descarregar em Medusa todo o enorme azedume acumulado pela sua alma, ao longo de eras de inveja.

Mesmo sabendo que Medusa havia sido apenas mais uma vítima da monstruosa voracidade de Poseidon, considerou-a culpável por… 


…no fundo por nada mais do que pela irresistibilidade da sua beleza.


Num ímpeto de ira decidiu amaldiçoá-la para todo o sempre.

Se a sua beleza havia até aí causado prostração a quem a contemplava… a partir daí, causaria autenticamente a petrificação do observador. Quem olhasse para Medusa converter-se-ia instantaneamente numa estátua de pedra…

Se o seu maravilhoso cabelo tinha até aí sido alvo de veneração própria, e alheia… a partir daí, seria motivo de horror para toda e qualquer criatura que o visse. Cada mecha de cabelo se transfigurou nesse momento numa serpente venenosa, em disputa hostil e constante com as suas vizinhas…

A existência de previlégio que até aí Medusa havia levado, embebida no facto de ser o centro da admiração dos outros,  converteu-se a partir desse momento, num sofrimento inextinguível e permanente.


Perseu era um semi-deus a quem foi feito um pedido macabro. 

Este é o momento da história que nos conduz à minha ilustração, acima apresentada.

Estando Medusa ainda grávida de Poseidon, foi exigido a Perseu que a decapitasse.

Para tal, Perseu muniu-se de artifícios e manhas, e com muita coragem, foi à procura de Medusa.


Levava na bainha uma poderosa espada de gume curvo, cujo desenho era famoso na antiguidade pelo seu corte exímio.

Ao chegar à antecâmara posou o armamento, e, do saco de couro de veado montês, retirou o seu ipod classic 120 GB,  de 6ª geração, e as 2 pequenas colunas autoalimentadas, as quais colocou simetricamente dispostas em relação ao eixo central da porta de entrada. 

Após desbloquear o aparelho, através do botão de segurança presente no topo do mesmo, deslizou o indicador direito em sentido contra-horário alcançando a playlist que pretendia para emoldurar musicalmente o momento que se seguiria.

Tratava-se do albúm “Miserere” de Arvo Pärt. Perseu queria exactamente a primeira faixa, por isso, uma vez encontrada a playlist, bastou premir o pequeno círculo central… 

play 

A banda sonora daqueles que poderiam ser os últimos momentos da sua vida, estava escolhida, e ecoava já pelas divisões abóbadadas.

Alguns breves preparativos mantiveram-no na antecâmara ainda por 2:07 min…


Avançando pé ante pé, Perseu entrou finalmente na área principal. A luminosidade era reduzidíssima. Apenas duas lamparinas de azeite mediterrânico produziam chama, e isso era claramente insuficiente para tão difícil tarefa… Progredir de costas voltadas para a zona onde esperava defrontar a sua adversária, guiando-se apenas pelo reflexo esbatido daquela obscura realidade, numa pouco espelhada superfície metálica, produzida com outro fim que não o de devolver imagens a um qualquer observador.

Conseguiu assim, lentamente, chegar ao fundo da grande sala, e, vislumbrar o movimento lateral de um vulto que se deslocou a partir de um canto escuro daquele espaço.

Perseu estranhou a velocidade que sentiu nesse movimento… Demasiado lento para um ataque, mas ainda assim suficientemente rápido para merecer toda a sua atenção e agilidade de resposta.

O indicador de tempo decorrido na faixa em reprodução no seu iPod, o qual havia por si sido depositado à entrada da antecâmara, marcava então 5:52…

Foi por instinto que Perseu se virou num ápice, mas conseguindo ainda assim que as emoções do momento não lhe toldassem o raciocínio, fechou imediatamente os olhos para não encarar o vulto que se lhe opunha. Na continuidade desse movimento brusco desferiu um golpe decepante… levando a Medusa o fim do seu martírio existencial.


A amaldiçoada figura não se debateu… Em Perseu ficou a sensação de que Medusa acolhera a morte como uma dádiva libertadora.

Aquela outrora bela cabeça caiu no chão, logo seguida do seu corpo… 

Medusa estaria agora livre para ser bela novamente…

Já no chão, os seus viperinos cabelos mantinham vida própria e continuavam a exibir o vigor e a agressividade que lhes era conhecido. Os olhos de Medusa permaneciam abertos, contemplando o seu carrasco.


Este é o momento que registo no meu desenho…


Wednesday, April 14, 2021

"

Maria Ciência Brito Gama da Fonseca

Meireles espetou o dedo no ar e disse:

- Eu quero!

"

Sunday, April 11, 2021

[ Não…não "Vai Ficar Tudo Bem" ]

 

Logo no início desta famigerada fase das nossas vidas, tornou-se evidente que: 

… não… não "Vai Ficar Tudo Bem."

Muito rapidamente a chocante negação do pseudo-lema de resistência (Vai Ficar Tudo Bem) começou a aparecer escarrapachada nos jornais. Ficou-me gravada a realidade de uma família, apresentada numa notícia do Público, em que uma senhora perdera, num curto espaço de tempo, marido, pai e irmão… Os três, sugados pelo vórtice Covidiano, que, uma vez tocados os pulmões das vítimas condenadas, absorve a materialidade dos seus corpos, não mais deixando os seus entes queridos verem as suas feições, agarrarem as suas mãos, ouvirem as suas vozes… dizerem-lhes adeus. Dos hospitais saindo depois… já em caixões selados.

Um ano e quase meio passado sobre o início desta pandemia, cresceram de forma esmagadora os números das famílias destroçadas pela morte dos seus, e somaram-se os números negros emanados por vários parâmetros da vida das pessoas: milhões de empregos irrecuperavelmente destruídos, negócios de vida levados à ruína, muitas famílias sem casa, muita gente atirada para a rua, e muitas, muitas bocas com fome…

Para tanta gente, nunca mais Nada Vai Ficar Bem

Apesar dos contornos grotescos desta realidade que se estende mundo fora, sem olhar a fronteiras, geográficas ou económicas, ainda é possível encontrar janelas que ostentam o tal conjunto composto por arco-íris + frase. 

É para mim evidente que na origem da simbólica iniciativa, estava um sentimento positivo, e a intenção de construção de uma postura de resistência, focada na superação solidária da adversidade comum. Mas… parece-me igualmente evidente que os contornos da calamidade rapidamente permitiam deduzir que a repetição insistente desse mote, seria nada menos do que insuportavelmente dolorosa para tantos que iam gradualmente sendo afogados em desgraça. 

No atribulado mar que navegamos, os quadros depressivos mutilam muitas pessoas, e por arrasto, muitas famílias. É esse o contexto desta ilustração que teve como cliente final a Angelini.

Dada a duração desta travessia teremos agora todos amplas possibilidades de dar largas aos manifestos de positivismo. Desta vez, não com arco-íris nas janelas… mas sim nas verdadeiras redes sociais. Naquelas redes sociais físicas, compostas por pessoas em vez de ecrãs, mãos em vez de teclados… alimentadas por acções reais em vez de manifestos virtuais, e que têm num extremo a necessidade, e no outro a solidariedade… para que tudo fique Um Pouco Menos Mal.

Wednesday, February 17, 2021

[ Nova vida ao Tinhoso… ]





Os dias GORDOS já lá vão… felizmente.

Chegaram sem dizer olá, e partiram sem se despedir, não deixando saudades… A boa educação não abunda.

Mas ainda vou a tempo de aludir ao Capeta, através de uma mui sentida homenagem ilustrada aos Caretos de Podence, maravilhosas figuras da cultura popular de Trás-os-montes.

Há alguns anos, como já referi nas páginas passadas deste blog, tive a oportunidade de criar para um manual de Português (diálogos _ 9) da Porto Editora, ilustrações para algumas das personagens do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente. Uma das que mais gozo me deu trabalhar foi a do Tinhoso, o Capeta, o Belzebu, o Chifrudo… Capitão e Timoneiro do “Batel Infernal”…

Imaginei-lhe as características em alusão à figura dos tais “caretos”…

Hoje publiquei na minha conta de Instagram (@rodrigo.prazeres.saias ), uma animação que confere nova vida a essa personagem.

É com muita pena que me resigno à ideia de uma animação não viver muito feliz no blogger… Melhores dias virão.