Daqui… de onde contemplo esta linha em cima da qual me encontro, só me seria possível ver com alguma clareza e nitidez se me virasse, e olhasse para trás.
A percepção do que se passa na direcção oposta (para a frente), encontra-se obstruída por um volume disforme e em constante mutação…
Descrevê-lo-ia como uma nuvem de espaço-tempo.
As metamorfoses frequentes dessa massa intangível que tenho à minha frente, não me deixam perceber com clareza o que está para lá… Na tentativa de VER obrigam-me a tentar espreitar pelos vazios deixados pela constante mutação dessa mancha turva, mantendo-me o corpo em desequilíbrio constante numa espécie de funambulismo muito muito experimental.
O considerável balançar lateral da linha, diz-me que devo estar aproximadamente a "M"eio do percurso. É sabido que, a "M"eio, a oscilação é maior.
Nos extremos, a proximidade aos dois grandes pontos de apoio reduz este balanço.
Nestas questões de equilíbrio, recordarei sempre uma lição familiar transmitida oralmente nos percursos escola/casa. Esse caminho era feito ao longo de passeios em calçada portuguesa, delimitados por canteiros de relva verde, frondosa e saudável. A fronteira entre estas duas realidades horizontais era formada por longos troços (traços) de pedra, proeminentes em relação ao plano do chão, alinhados sequencialmente, sem intervalos. Esses módulos de pedra eram estreitos. A sua largura era francamente inferior à de um sapato… mesmo à de um sapato de menino. Essa diferença de larguras proporcionava as condições ideais para testar o equilíbrio do corpo em movimento. Ao longo de revoadas de vários passos, a base instável provocava"descarrilamentos" e recomeços, mas sem o risco de uma queda muito aparatosa.
A tal lição?… "manter o olhar em frente".
A ilustração presente no cabeçalho deste blog é um auto-retrato. Foi concebida há vários anos para um concurso de… auto-retratos ilustrados.
Na tentativa de lhe conferir "valor", quando a idealizei, decidi embebê-la em significado e referências pessoais, que agora, neste dia especial, desta fase especial, deste ano especial, vou segredar para o reduzido leque de leitores deste blog.
O olhar… o meu… é o de quem espreita algo abrangente, mas, através de uma pequena abertura. Essa abertura tem a forma e tamanho das limitações da nossa percepção.
Por trás de mim encontra-se uma área de campo aberto, possivelmente coberta de relva… verde, frondosa e saudável. Essa área de campo aberto é delimitada, ao fundo, por uma linha de choupos adultos, crescidos ao longo de uma ribeira. Sobre toda a extensão deste cenário cai luz solar intensa, tornando brilhantes algumas das resinosas folhas dos choupos, e fazendo as sombras na base destes, ainda mais escuras.
O "som ambiente" desta ilustração (na minha mente as minhas ilustrações têm quase sempre som) é o do vento a abanar as folhas… da erva, dos chopos… fazendo-as colidir rumorosamente com as suas semelhantes mais próximas. Todo este cenário caracteriza uma relação com as "coisas da terra" digna de referência, e tem presença justificada num auto-retrato da minha pessoa.
Em baixo, à esquerda, semi-oculto nos trejeitos da erva, construído com subtileza pelos alinhamentos fortuitos dos desígnios das coisas naturais, está desde sempre presente uma letra. No cabeçalho do meu blog essa letra está ligeiramente tapada… mas presente.
Daqui… de onde contemplo esta linha em cima da qual me encontro… estou no "M" deste alfabeto, e contemplo, desde sempre, um "Z"…
Lição aprendida?
2 comments:
Novamente, texto muito bonito. E confesso que nunca tinha reparado no Z da tua ilustração. Pormenor fantástico e carregado de sentido.
Espero que te mantenhas no M por muitos e bons anos.
Um beijinho.
Ooooooobrigado pelas generosa visita e comentário.
Nunca tinhas reparado no Z porque ele está "semi-oculto nos trejeitos da erva, construído com subtileza pelos alinhamentos fortuitos dos desígnios das coisas naturais"… : D : D : D
Se o Dan Brown descobre este pormenor rouba a ideia para o próximo livro ; )
Beijinho
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