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Thursday, May 30, 2019

[ Bela, a rainha má # 5 ]



"À frente do espelho, e numa noite de Verão, botei-me a
saborear aquele fruto de maravilha. Uma chama crepitava
no meu ventre, e um rubor coloria-me as faces. A rainha
que eu olhava ia-se despojando do seu manto de damasco,
dos seus colares de brilhantes, e da própria coroa que lhe
cingia a fronte. E a que eu fora reaparecia, semelhante aCinda, a sorrir nos verdores da juventude."

Tuesday, May 28, 2019

[ Bela, a rainha má # 4 ]



"Partiu outra vez para a guerra o rei, meu marido,
e fiquei por meses e meses abraçada a mim mesma. No
anoitecer em que trouxeram a notícia da sua morte, varado
pela lança de um plebeu, houve chuvas abundantes que
vergastaram as macieiras. Rolaram por terra os frutos,
mas na árvore mais franzina manteve-se uma maçã, uma só.
Metade vermelha, e metade amarela, nunca eu vira tão
bonita. E colhi-a, acheguei-a à língua da víbora para quea picasse, e à cauda do lacrau para que a mordesse."

Monday, May 27, 2019

[ Bela, a rainha má # 3 ]


"Numa ocasião, quando a ventania agitava a rama das
macieiras do pomar do palácio, estava eu diante do
espelho, um desastre aconteceu. Igual à marca da unha de
uma bruxa, uma ruga pequenina desenhava-se ao canto daminha boca real. Mas não se quedaria por aí o sobressalto."

Saturday, May 25, 2019

[ Bela, a rainha má # 2 ]



"Logo que me levantei, incapaz de conter a curiosidade,
coloquei-me diante daquela imagem, vestida com a camisa de
seda do Japão. E não demorou a que me reconhecesse, muito
menina, correndo numa floresta de heras e silvas. Fugia ao
verdugo que minha madrasta encarregara de me matar, mas que, apiedado de mim, me pouparia a vida."

Wednesday, May 22, 2019

[ Bela, a rainha má # 1 ]




"O meu príncipe beijou-me os lábios, e a luz de Maio
percorreu-me o corpo. Eram lírios e açucenas, espumas
do mar longínquo. Quebrou-se em estilhaços de cristal o
esquife onde eu dormira, mas uma estrela de gelo morava
dentro de mim. O que me despertara tomou-me pela mão, e
fomos andando em direcção ao palácio."


"Bela, A Rainha Má" é o titulo de um belíssimo texto de Mário Cláudio, publicado na Egoísta nr 66, com o tema "Era uma vez".
O texto é construído num registo fragmentado em pequenos excertos, através dos quais se desenvolve a sequência narrativa.
São breves ilhas de palavras, carregadas de uma certa aura poética, muito indutora de ambientes diversos ao longo da pequena estória.
A ideia que tive para ilustrar este texto foi a de construir um paralelismo formal com a estrutura do texto, através da criação de pequenos fragmentos de registo linear preto, jogando com a densidade da mancha para obter a caracteriação das formas.