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POR ANTÍTESE
O meu estirador não está assim, imaculado…
actualmente eu não ilustro assim… de braços semi-nus…
…nem os restantes planos de trabalho do meu atelier estão assim… desimpedidos e libertos… muito pelo contrário.
… e muito menos o ecrã do meu computador… está embebido desta harmonia…
Lá fora não está calor… e, dependendo dos dias, mas predominantemente… não há céu azul sobre as ruas da minha localidade.
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Tenho então saudades do calor que permite a t-shirt como farda de trabalho. Mas mais ainda… da arrumação e limpeza do meu espaço de trabalho… desta limpeza inspiradora do meu estirador…
Aí, sobre o meu estirador, acumulam-se agora camadas sobrepostas e desalinhadas de folhas A3 e A4 rabiscadas… Todas têm pelo menos um gatafunho.
Algumas são toscamente rasgadas, e depois desajeitadamente coladas com pensos de fita-cola transparente. Com esta operação consigo curar feridas de esboços que estavam doentes, através de construções frankensteinianas de novas realidades representativas, mais harmoniosas do que as originais. Essas compressas de fita gomada curam os bonecos defeituosos… Esta mão fica melhor assim… aquele rosto fica melhor assado… Esta perna estava muito grande… Aquela cara fica melhor para o lado… (rima intencional).
Quando tenho empreitadas ilustrativas volumosas, o meu espaço de trabalho vira uma caótica fornalha de combustão de papel. São florestas de eucalipto comprimidas numa só divisão… A do meu atelier.
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Alguns dos meus parceiros no trabalho que actualmente desenvolvo são nomes distintos e reconhecidos no panorama literário nacional…
Alguns não são colegas novos… apresentam-se-me como repetentes.
Alguns, nada menos que velhos conhecidos de colaborações anteriores, por vezes, com vários anos.
É o caso do Senhor Pessoa. Já trabalhámos juntos para outras publicações. Quando nos reencontramos para um novo trabalho… é já uma festa.
O Senhor Pessoa é, como todos sabemos, uma casa cheia!
… José Saramago, Ana Luísa Amaral, Eugénio de Andrade, assinam textos que eu, actualmente ilustro.
Tudo acontece de modo muito natural.
Estes meus parceiros de edição escrevem os textos. Eu… leio-os, releio-os, digiro-os… e posteriormente, as ideias que me assaltam são debatidas com cada um dos escritores, à vez. Normalmente organizamos encontros fora do horário de expediente, e, em locais descontraídos.
São autênticos retiros espirituais… Os nossos espíritos encontram-se e conversam.
Esse é o meu segredo. É assim que obtenho, em primeira mão, informações importantes que não constam das fotografias existentes, nem dos relatos escritos com caráter biográfico.
Sei então segredos destas figuras, e uso esses segredos para a construção da realidade das minhas ilustrações… expondo assim as suas revelações… sem pudor.
Por exemplo… Conheço as emoções vividas por um destes colegas de edição, ao deparar com a sala da casa de família, outrora cheia dos corpos activos, ruidosos e animados dos seus entes-queridos, e agora, vazia/esvaída de toda e qualquer presença viva que não a do seu próprio eu… . Foi-me relatada a forma como um mar de lágrimas foi abafado com o seu antebraço, perante o choque sentido ao transpor a porta dessa divisão da casa.
Que fiz eu com esse desabafo? Transformei imediatamente a partilha privada dessas emoções, em ilustrações com circulação na esfera pública… assim… sem pudor.
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Envolto o meu torso em casacos polares sintéticos… enroladas as minhas pernas em mantas serranas quentes… desbravo caminho por entre pilhas de esboços, à procura da melhor perspectiva, do melhor ângulo.
Comparo pares de folhas com representações de composições antagónicas… e escolho então a partir daí…
… POR ANTÍTESE.