O florescimento da perspectiva artística do meu percurso de desenho, foi adubado pela professora/pintora Luísa Arruda, durante a minha frequência do primeiro ano em Belas Artes.
No decurso daquelas aulas, na galeria abóbadada, iluminada pela luz que entrava lateralmente através das grandes janelas do antigo Convento de São Francisco, a minha visão do que o Desenho podia ser, mudou.
Mas essa mudança era esperada, desejável, e, própria da transição do ensino secundário para o ensino superior artístico. Para essa mudança muito contribuiu também a enorme torrente de estímulos, proveniente de professores, programas, experiências, e, colegas.
O contacto diário com o trabalho de enorme qualidade, produzido por alguns dos meus colegas de então, constituía de facto, só por si, um estímulo intenso. O acompanhamento da evolução de tantos trabalhos diferentes, nas várias vertentes de formação, era verdadeiramente causador de ampliação de horizontes.
Perante um determinado enunciado, a nossa perspectiva pessoal era direccionada para o desenvolvimento, e posterior defesa convicta, de um determinado percurso/solução. Nos dias em que decorriam as avaliações, essa perspectiva, que até aí nos parecera algo única, ou pelo menos a melhor das que havíamos equacionado, era então alinhada lado a lado, com várias dezenas de outras soluções, muitas das quais, com melhores respostas para os problemas com que nos havíamos deparado na realização dos trabalhos.
Voltando às aulas da galeria que ladeava o grande pátio interior do antigo convento…
Aí se materializavam no cavalete à minha frente ancorado, os dinâmicos e tortuosos exercícios da criatividade, arquitectados pela minha mente, ao longo dos processos digestivos de tantas e tantas ideias.
O programa de DESENHO I, desenvolvia-se, com a orientação da nossa fantástica professora, em torno da escolha livre de referentes, sobre os quais iria o aluno trabalhando, durante períodos de tempo de alguns meses.
Nas deambulações e pesquisas por um objecto propiciador da construção de desenhos interessantes, foi então a minha atenção cativada pelas formas orgânicas encontradas nas visitas frequentes ao antigo mercado da ribeira. Por entre a aquisição de sacadas de frutos para consumo na hora, o meu olhar foi cativado pela beleza orgânica de longos ossos descarnados, abandonados na zona dos talhos, em alguidares displicentemente pousados no chão. A minha vontade de aquisição desses "referentes" suscitou surpresa nos talhantes.
Essa série de desenhos, veio a originar os mais gratificantes e motivadores comentários, alguma vez por mim recebidos numa avaliação escolar. Um desses desenhos, o qual considero o nr 1 do meu percurso relevante, encontra-se hoje à entrada de nossa casa, recebendo todos aqueles a quem abrimos a porta. Valeu-me um… "Isto é um bom desenho em qualquer parte do mundo…" – ganhei o dia, a semana e o mês, ao ser o destinatário dessa frase.
Esta linha conceptual originou também os meus desenhos em grande formato, de crânios e mandíbulas de borrego, desenhados com sangue, e, num outro momento, algumas representações de belíssimas couves portuguesas, estando eu clara e justificadamente fascinado com o seu intrincado jogo de folhas e nervuras, cujas representações ainda hoje me orgulham bastante. Um desses desenhos recebeu um prémio numa das edições da CRIATIVIARTE, concurso de artes plásticas de Montemor.O.Novo, com edições anuais.
É então a esse universo, o dos referentes orgânicos vegetais, que o meu trajecto me traz de volta. Alguns anos se passaram desde essas primeiras abordagens, e os vários caminhos seguidos desde então, moldam hoje as características formais desta nova colecção.
As imagens presentes neste post documentam o arranque desta nova série de trabalhos, nos quais me declaro rendido à beleza orgânica de nabos e cenouras com rama (os primeiros dois referentes da colecção), cujas dinâmicas formais e cromáticas me inspiram, ao longo de processos influenciados também pelas variáveis pictóricas do universo da ilustração. Os trabalhos são reproduzidos em mini-séries de 15 unidades, impressas no belíssimo papel texturado Fineart Printing Paper da Hahnemühle, assinadas e numeradas manualmente.
Ao ritmo de uma horta serena irá esta colecção crescendo…