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Friday, December 22, 2017

Hänsel & Gretel redux




Os manos Grimm eram um bom par de psicopatas.
As suas histórias para "crianças", são compostas por personagens bizarras com comportamentos terríveis, e que acredito, devo dizê-lo, não resistiriam certamente ao crivo crítico da infância instruída da actualidade. Boa parte daquele empilhado trémulo de eventos narrativos estranhos, colapsaria perante uma breve análise de qualquer uma das nossas electro-digi-crianças do mundo de hoje.
Aquela conversa pegaria bem junto dos pequenos de inícios de 1800… sem acesso a telemóveis nem a play stations, e vivendo num mundo com muito pouca rede, ou pelo menos com sinal fraco em grandes áreas do planeta… Mas hoje em dia, não colheria créditos ao ser declamada nos nossos infantários repletos de sagazes micro-génios.
Senão vejamos:
– A madrasta ordena ao pai que se veja livre dos filhos e… ao senhor parece-lhe tudo bem. Toca de pegar nos infantes e conduzi-los até ao meio da floresta escura, para de seguida os abandonar e regressar sozinho para os braços e abraços da sua nova senhora… mmmmmmm
– A bruxa da casa de chocolate e guloseimas, frágil de velha e desprovida de visão para a maior parte das tarefas do dia a dia, avalia diariamente o patamar de engorda do rapaz engaiolado através da apalpação de um dos dedos da sua pequena mão… Contudo não se apercebe que o que lhe é diariamante estendido não é um dedo sapudo mas sim um magro e seco osso de galinha… mmmmmm
– O ganso leva os manos à vez, deixando um deles sozinho e abandonado aos perigos da floresta, enquanto transporta o outro no seu lombo… mmmmmm
– Mas o final é que é verdadeiramente surpreendente: as crianças, depois de terem sido levadas duas vezes para o meio da floresta, com o objectivo de se perderem, mortalmente de preferência (deduzo eu), tendo numa dessas vezes feito uma travessia do inferno pela mão da bruxa canibal, quando finalmente fogem, voltam para onde?… para casa do pai claro está… o tal que à noite passeia filhos chorosos pela mão com o objectivo de os tresmalhar sem retorno… Que bela escolha meus pequenos.

Idependentemente de tudo isto não deixa de ser incrível como com tantos anos e gerações passados, estas estórias ainda continuam a fazer despertar na imaginação de cada um de nós, imagens mentais tão poderosas.
A Egoísta 62 já anda por aí e a Patrícia desafiou-me para este regresso ao universo fascinante dos irmãos Grimm… Chamámos-lhe (…)redux.

(por "… mmmmmm" entenda-se a ponderação reticente e semi-silenciosa do leitor sobre o grau de credibilidade merecido pela narrativa)

Wednesday, November 29, 2017


Quando se remexe na tralha acumulada ao longo dos anos descobrem-se relíquias.
O meu pai conseguiu encontrar o manuscrito original de "dás oliveira frutos"… o tal poema que encantou o maestro Lopes Graça, levando-o (a ele maestro) a compor música para tão poderosas e belas palavras, e a integrar o resultado no seu distinto repertório.
Pois o que o meu pai descobriu foi a folha amarelada de caderno de linhas – algo que se me perguntassem antecipadamente se era possível de ver acontecer eu atestaria com toda a certeza que não, que seria totalmente impossível de encontrar semelhante coisa no espólio de vida de semelhante talentosa mas desorganizada pessoa – cujo texto apresenta as diferenças de uma primeira versão, e as rasuras de algumas leituras críticas posteriores.
Esta descoberta foi nada menos que magia…
O documento fez as delícias dos talentosos e carinhosos membros do Grupo Coral de Queluz, que canta a peça já para mais de uma década, num maravilhoso encontro para o qual tiveram a generosidade de nos deixar participar enquanto acompanhantes do agro-poeta ; )

Já eu, remexendo a tal tralha (a minha) acumulada ao longo dos (meus) anos, descubro muito menos dignos documentos…
Não posso contudo ignorar a relevância deste boneco no meu percurso de ilustrador.
Corria o ano de 1994 (aprox.). Tomado da iniciativa e motivação de jovem universitário dinâmico, e profundamente embebido nas questões motivacionais do campo e da vida ao ar livre, ocorreu-me tentar conciliar os meus eventuais talentos de criador de bonecos, com a materialização de peças de comunicação dedicadas ao auxílio de quem trabalha nas práticas florestais. Assim, no âmbito de um trabalho escolar para a cadeira de design, dediquei-me à criação de um manual de príncipios básicos de operação de motosserras. Esta ferramenta era, à altura, a segunda maior causadora de acidentes graves relacionados com as práticas agrícolas e florestais.
Durante o trabalho de investigação para os conteúdos da referida brochura, dirigi-me ao então Instituto Florestal, na perspectiva de obter matéria prima e orientações para elaboração de um discurso útil, realista e de base factual.
Tive a enorme sorte de ser recebido por dois anfitriões magníficos e generosos – Engenheiro Pinho de Almeida, infelizmente já falecido, e Engenheiro José Gardete em quem tenho um daqueles amigos que a vida se encarrega de nos deixar ver pouco mas que reencontro sempre com grande alegria e gratidão.
Os três, iniciámos aí um longo processo que começou com uma partlha de informação e aconselhamento destes dois intervenientes para comigo, e acabou na impressão e produção pela direcção geral das Florestas (apenas em 1998) de uma edição do manual de recomendações escrito e ilustrado por mim, de acordo com a orientação técnica destes dois especialistas. Ao longo de várias reuniões de discussão e construção de conteúdos, bem como de apuramento técnico dos mesmos, estes tornaram-se nos meus primeiros clientes de um trabalho de ilustração. Estas foram na prática as minhas primeiras ilustrações concebidas com carácter profissional.
Que mais haverá para descobrir...

Sunday, April 16, 2017







A Egoísta Política já anda por aí.
Nesta edição existe uma narrativa ficcional de Patrícia Portela cujo o título é "2084".
O título situa a acção no tempo.
Há uns meses, a propósito de um contexto totalmente diferente, escrevi neste blog:
"O caminho percorrido pelo homem-macaco, das trevas da caverna para a Luz, é longo. Muitos de nós estamos muito atrasados nesse percuso."
… Pois este texto é sobre o derradeiro triunfo do homem macaco. Trata de mais um desses retrocessos civilizacionais, buracos abissais existentes no percurso linear da história da humanidade… das trevas para a Luz.

Em 2084 venceram os homens que odeiam as pessoas. A humanidade sucumbiu às mãos de uma "Nova Ordem Mundial", referência fascinante, pela diversidade de contextos a que surge associada, quer nos discursos públicos de vários políticos do mundo (especialmente dos EUA), quer em várias teorias da conspiração (umas mais, outras menos fundamentadas). Fascinante também por ser uma designação que poderia estar associada à promessa de uma nova estrutura organizacional orientada para o bem mundial (o que quer que isso queira dizer), que tivesse do planeta um entendimento uno, e encarasse toda a humanidade como uma verdadeira irmandade, com um interesse comum, o de tudo e de todos (tão utópico quanto isso), e em sintonia existencial com as restantes entidades do planeta e, em segunda instância, do universo.
Em 2084, esta designação vê, contudo, a sua definição reivindicada pelo lado negro da força, representando na terra o domínio repressivo do mal sobre a passividade submetida do bem.
Em 2084, venceram os que convertem o tempo na mera satisfação do ego, esquecendo ou ignorando as restantes, e mais importantes, componentes da vida na terra. As alterações climáticas seguiram o seu rumo voraz, agravando-se, alimentadas pela ganância e pelo egoísmo geracional, tornando assim impraticável a vida em certas partes do planeta.
Venceram os assassinos do espírito, que dirigem toda a sua iniciativa para a materialidade, não chegando a conhecer as ligações invisíveis, que religam tudo o que existe.
Venceram os que objectificam as vidas individuais dos outros, em prol dos mais ridículos dos seus próprios objectivos pessoais. Em diversos planos fundamentais da existência os rumos seguidos convergiram para um novo e potencialmente irrecuperável período de caus.
2084 deixou para trás um longo rasto de avisos que não foram ouvidos, apesar de abundantes… Através de uma postura infantil, as sociedades ignoraram-nos, como se estes fossem impossíveis de se vir a converter em realidade. A humanidade adulta do pós II Guerra Mundial, que se dedicou à construção de parâmetros constitucionais que direccionassem o homem macaco para a iluminação, veio a dar lugar à humanidade criança, que caminha por um campo minado de alertas, sem vontade nem capacidade para os interpretar.
O mundo do pós II Guerra Mundial, que lutou pela consolidação dos direitos do homem, e da democracia enquanto sistema mais justo para a governação das sociedades, deu lentamente lugar à flacidez moral em que os seus filhos e netos tomaram a liberdade como garantida e inabalável, e encararam o voto democrático como algo desligado do universo de acção do seu dia a dia individual. Através desta falta de saúde democrática, em que o voto era encarado de ânimo leve, como algo por que não se tem que lutar no dia a dia, a humanidade matura e ávida de evolução deu lugar à humanidade infantil, que apenas queria brincar mais um dia.
Foi assim que os ditadores subiram ao poder. Foi assim que a população mundial foi submetida à grande e tirana "Nova Ordem Mundial".
Esta nova organização das sociedades encarregou-se de permitir que o primeiro mundo mantivesse o terceiro mundo bem assente no terceiro lugar do ranking, garantindo, com sacudidelas vigorosas, a continuação da mão de obra barata, da exploração exaustiva e impune dos limitados recursos terrestres, e da proliferação e continuidade das indústrias poluentes.
Foi assim que se assentuou a divisão entre o Ocidente e a Eurásia referida no texto.
A Nova Babilónia floresceu e proliferou, em 2084…
… e quando se pensava que tal não mais seria possível, o homem macaco voltou à caverna para mais um reinado de escurião.

Em Nurenbergh, um dos locais a que fiz questão de ir, foi à arena de reunião das grandes paradas do regime nazi.
Eu estive onde ele esteve... O ogre pisou aquele chão.
Lá, olhando em volta, incrédulo, pensei se naquele local ainda haveria ADN do lado mais sombrio da humanidade.
Arrepiou-me a ideia de, naquele instante, apenas o tempo (esse muro intangivel mas sólido) me proteger de estar no meio da assistência de um discurso dele.
Foi nesse momento da ida a Nurenbergh, que me baseei para caracterizar o ambiente desta ilustração.
– Decorre o discurso de um tirano absolutista, num espaço frio construído em cimento e pedra, dando forma a uma arqiutectra austera, de linhas direitas. erigida numa escala desumana... No fim, não durante, mas no fim... a chuva desaba sobre o mundo, mas a águia permanece imperturbável... sob o seu olhar gélido tudo continuará na mesma por muitos e muitos mais anos.