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Wednesday, June 19, 2013

[ Auto da Barca do Inferno – Cena V _ O sapateiro . imagem II]




Anj
Essa barca que lá está,
leva quem rouba de praça
Ó almas embaraçadas!

Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno


Não pode ser fácil… simplesmente não pode.
Ver a entrada negada logo pelo anjo… pelo imediato representante da misericórdia divina…
O sapateiro argumenta como pode: as idas à missa, as dádivas monetárias para as causas dos santos… para nada, parecem ter servido.
Imaginei-o aflito, acariciando a careca como quem faz festas a si próprio, olhando para o lado e fazendo-se de baralhado… não querendo encarar o anjo nos olhos. O anjo, por seu turno, pendura-se da amurada só com um braço, para chegar mais perto do pequeno sapateiro, fala-lhe baixinho palavras de conteúdo bravio. O outro braço aponta-lhe o destino… Manda-o para o diabo que o carregue.

O tratamento que idealizei para o anjo, à semelhança de toda a construção do capítulo dedicado ao Auto da Barca do Inferno, serve este duplo contexto: por um lado, representa uma peça teatral encarada como tal (o assumido cenário das barcas, as máscaras do capeta e do anjo etc.), por outro, a realidade da própria acção, permitindo a leitura de que aqueles acontecimentos se estão a dar no momento da ilustração (como se de uma fotografia se tratasse).
Esse duplo sentido é muito claramente sugerido pela caraterização desta personagem (bem como pela do diabo), feita com uma máscara que remete para a aparência de um anjo barroco, bochechudo, e de cabelo encaracolado loiro. Percebe-se no entanto que se trata realmente de uma máscara, podendo assim existir um actor a envergá-la, ao invés daquela figura ser verdadeiramente o próprio anjo.

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